Por Sérgio Ricardo

Continua sem limites o corte indiscriminado das árvores cariocas em ruas, praças e quintais: em geral, este Crime Ambiental (Lei Federal no. 9605/1997), nos últimos anos, tem sido provocado diretamente por ação direta de sucessivas administrações municipais, sejam elas originárias do bioma Mata Atlântica, frutíferas ou exóticas ou mesmo árvores centenárias e portanto históricas, o que nas últimas décadas demonstra a existência de um padrão governamental em que tornou-se “política pública” práticas ilegais como: mutilar, decepada, fazer corte raso troncos e galhos de nossas queridas árvores cariocas. Para piorar, é preciso deixar bem claro que tudo isto vem sendo feito de forma abusiva e sem critérios técnicos e legais transparentes, o que levado ao triste cenário de proliferação em larga escala de verdadeiras podas assassinas feitas pela dupla motosserra COMLURB e pela concessionária privada LIGHT. Em outros casos, infelizmente, é a própria população, o que leva a crer que por deficit de educação e consciência ecológica, a ser seu algoz, alguns até por se incomodarem com suas folhas e frutos que, naturalmente, caem nas ruas e calçadas…

Tempos tão estranhos estes os atuais, que ao invés de se agradecer à Mãe Natureza (a Pachamama na cosmovisão e ancestralidade indígena) e curtirmos sua sombra gostosa e o seu frescor nos dias de calor intenso que às vezes, como tem sido visto a cada ano, vem se mostrando quase insuportável ao formar as “ilhas de calor” que são uma característica desta selva de pedra em que vem se transformando as nossas cidades barulhentas e poluídas. Em que, ao invés de observar com curiosidade e empatia seus ninhos que são abrigo das aves, seus galhos frondosos, folhas e as flores, há cada vez mais governos antiecológicos insensíveis que preferem exterminá-las sem dor nem piedade e, pior, sem utilizar critérios e protocolos técnicos voltados à valorização da arborização urbana: ou seja, agindo completamente fora da lei.

Desta vez, infelizmente, cortaram o tronco do famoso BAOBÁ “JOÃO” plantado em 2013
(que segundo o Wikipédia é do gênero Adansonia, da família Malvaceae e da classe Magnoliopsida) que também é conhecida como “embomdeiros”, “imbondeiros” ou “calabaceiras”. Esta bela árvore é oriunda das regiões tropicais áridas e semiáridas. De grande porte, com diâmetros que atingem 7 a 11 metros e alturas de 5 a 30m. É a árvore nacional de Madagáscar e o emblema nacional do Senegal. São espécies nativas de Madagáscar, do continente africano e da Península Arábica e da Austrália, além do arquipélago de Cabo Verde.

Ontem (31/07/2020), no meio da pandemia, na Ilha de Paquetá, Baía de Guanabara, o BAOBÁ “JOÃO” acabou de ser absurdamente decepado e/ou mutilado, sobrando apenas parte do seu tronco, sendo quase assassinado covardemente!

Em outros tempos, em que também nos assombravam retrocessos autoritários, torturas e ‘paus de arara’ contra os que se opunham aos mesmos donos do poder de sempre, mesmo assim no dia 22 de novembro de 1967 umas dez (10) árvores de grande porte daquele bucólico e belíssimo bairro carioca foram tombadas (o que neste caso, é importante esclarecer que este termo significa reconhecer a relevância para sua preservação) à época pela Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico, órgão da antiga Secretaria de Educação e Cultura, sendo que entre elas se destacava o famoso baobá “MARIA GORDA”, uma árvore centenária que é um símbolo ecológico da Ilha de Paquetá. Sua importância histórica e paisagística era indiscutível já naquele período, além do valor afetivo e encantamento que árvores como esta geram tanto para os moradores locais, para as crianças e idosos, os visitantes e turistas inclusive estrangeiros que fazem questão de tirar fotos, fazer ‘selfies’ e, principalmente, não saem da ilha sem antes abraçar carinhosamente a exuberante e graciosa “Maria Gorda” que há pelo menos 2 século está ali situada na orla da Baía de Guanabara próxima à estação de barcas.

Diz a lenda que o histórico baobá “Maria Gorda” ao ser tocado e abraçado de forma carinhosa traz para a pessoa uma recompensa de sorte eterna!

Eu acredito nisso, e sou testemunha de que ela de fato atrai afetos e empatia entre os que buscam suas sombras e aconchego: por isso, há anos, sempre que estou em Paquetá, nos rotineiros passeios de bike por suas ruas ou nas caminhadas a pé, neste que é um dos lugares do Rio e da Baía que mais amo, sempre achamos um tempinho para revê-la e, mais uma vez, admirá-la: como tenho feito desde que meu filho e as filhas eram pequeninos e íamos juntos dar um abração bem apertado e ao mesmo carinhoso e sempre com grata felicidade na nossa “Maria Gorda”!

Algo me diz que a nossa querida “Maria Gorda” com sua beleza, ternura, acolhimento e imponência à beira mar, certamente também contribuiu como um dos principais motivos para que Paquetá fosse reconhecida em tantas canções, prosas e versos (e até mesmo em discursos!) como a “Ilha dos Amores”, como ao seu tempo foi descrita nas palavras de Dom João XI nos seus costumeiros refúgios por esta Ilha da Baía da Guanabara.

Que tempos tão estranhos este em que vivemos: mesmo em meio a uma profunda crise civilizatória que tem exposto sua face mais cruel por meio da devastadora pandemia COVID-19, cuja causa ou origem, por sua escala e magnitude, precisa cada vez mais ser vista e analisada na perspectiva da existência de um contexto de “múltiplas crises” ou de uma “convergência de crises ambiental, sanitária, hídrica e climática ou até mesmo de uma emergência climática”, se tenta sacrificar o baobá “JOÃO” que é o parceiro mais jovem plantado na orla da baía exatamente para fazer companhia e ser, ao mesmo tempo, o herdeiro mais novo da centenária “Maria Gorda”!

São estes, tempos realmente muito estranhos em que vivemos: onde a vida humana e das demais formas de vida e seres vivos, em função da predominância de uma lógica utilitária e mercantilista, parecem não ter valor algum diante da ganância daqueles poucos de sempre, donos do poder político-econômico e das finanças, que visam apenas a ganância do lucro ilimitado. Em que a natureza é devastada sem limites pelo “progresso destrutivo” do Capital e os povos originários, os verdadeiros donos desta terra, sofrem mais um perverso ciclo de genocídio ou etnocídio. As próprias ilhas da Guanabara abrigavam vasta floresta tropical e manguezais, assim como neste território viviam povos indígenas, que em quase sua totalidade foram completamente exterminados, extintos.

Tempos sombrios estes atuais, em que além da ameaça à democracia em nosso país tropical, tem imperado a falta de vergonha e a insensatez por parte da maioria dos governantes e corporações que no afã de obterem sua lucratividade financeira ilimitada, apesar da população estar ainda no meio das incertezas e inseguranças próprias de uma pandemia global, pretendem vergonhosamente através de uma fraudulenta ‘audiência pública virtual’ – a ser realizada no próximo dia 7 de agosto (numa sexta-feira à noite!) -, “passar a boiada” segundo as palavras do ministro ecocida Ricardo Salles sobre a Floresta do Camboatá, ao promover com a cumplicidade, leniência, negligência e omissão de órgãos ambientais e do poder judiciário, o apressado e ilegal “licenciamento fast food” do novo Autódromo do Rio de Janeiro, megaempreendimento que ameaça desmatar 200 mil árvores da Floresta do Camboatá situada no bairro de Deodoro, na Zona Oeste carioca, sem no mínimo se considerar que este ecossistema singular abriga matrizes de árvores singulares do bioma Mata Atlântica e rara biodiversidade com algumas espécies já classificadas como em processo de extinção.

É, nestes tempos tão difíceis e complexos, em que, por escolhas políticas equivocadas tomadas pela maioria do povo brasileiro, estas infelizmente manipuladas por sujas fake news comprovadamente comandadas por milícias digitais e por ‘gabinete do ódio’ palaciano, em que vivenciamos a manutenção de um padrão de desenvolvimento urbano industrial altamente destruidor e gerador de riscos ambientais crescentes, onde o lucro tem se mostrado ter mais valor do que a vida e o patrimônio ambiental juntos.

Tempos tão irracionais e de ressurgimento de intolerâncias e fundamentalismos, em que os mesmos donos do poder e do Capital do passado é do presente, que há séculos estão unidos umbilicalmente, sequer ao menos se dispõem a analisar as diversas alternativas locacionais existentes e de óbvio menor impacto ambiental que por longos 10 anos tem sido apresentadas pela comunidade impactada, os movimentos sociais e pesquisadores.

É neste mesmo tempo que corre, cada vez mais acelerado e veloz, sobre o impulso de um notável avanço tecnológico e dos meios de comunicação digital, é que na cidade dita ‘maravilhosa’ e que, contraditoriamente, nas últimas décadas, sediou a Rio 92 (Eco 92) e, em seguida 20 anos depois, a Rio+20, onde por ação e obra de sucessivos governos, tem sido adotado como padrão de política as popularmente chamadas podas assassinas de árvores que tem resultado no extermínio ou eliminação em larga escala de milhares de árvores a cada ano, como vem ocorrendo à olhos nus em todos os bairros do município. A raiz deste padrão de “política política” adotada pela presidência da COMLURB e pela LIGHT, que é ilegalmente voltada à eliminar, devastar a singular arborização urbana de nossa cidade, que os donos do poder político-econômico tem se unido, há ao menos 2 a 3 décadas, para promover o desmonte e desmantelamento da histórica Fundação Parques e Jardins (FPJ), instituição técnica de alto nível criada em 1893, no longínquo final do século XIX, sob a denominação à época de “Inspetoria de Matas, Florestas, Jardins Públicos, Arborização e Caça”. Os últimos governos, reduziram o orçamento anual da FPJ, esvaziaram o papel deste órgão conceituado ao de forma deliberada não promoverem concurso público para renovar o seu experiente quadro técnico, o que já levou à aposentadoria de grande parte de seus servidores; além disso também transferiram de forma equivocada as atribuições de poda e remoção de árvores em todo o município, para uma empresa de limpeza urbana (COMLURB) cujo orçamento anual é bilionário, o que gera a cobiça de partidos e vereadores, que, apesar do trabalho relevante e elogiável que executa diariamente na gestão dos resíduos e rejeitos de uma mega cidade, nunca antes, desde a sua criação em 1975, tinha tido qualquer experiência anterior na área de manejo sustentável da arborização urbana!

Que o porvir nos livre, de uma vez por todas, dos crescentes desequilíbrios socioambientais e das desigualdades socioespaciais, facetas da mesma trajetória em que impera um padrão de violação do Direito à Cidade.

A superação destas profundas contradições, são um imperativo de um devir coletivo necessário e urgente caso de fato nosso desejo seja o da construção de uma outra sociedade e outra economia.

Tempos estes porvir em que, oxalá, também as árvores urbanas sejam respeitadas e protegidas por constituírem parte da memória, da história, da estética e da ecologia da paisagem da nossa cidade.

Obs: autorizada a reprodução e publicação deste artigo parcialmente ou na íntegra desde que citada a autoria.

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Cada vez mais triste ver a comunidade que estamos optando por nos tornar. O Baobá João gordo, plantado no dia da árvore de 2013 foi cortado. A troco de que?https://www.facebook.com/groups/131668360320394/permalink/1740124889474725/


SÉRGIO RICARDO VERDE – Ecologista, coordenador do movimento BAÍA VIVA, gestor e planejador ambiental, produtor cultural, engajado nas causas ecológicas e sociais, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.