Por Ricardo Cravo Albin

“Que Deus me ajude a conseguir o socorro do impossível, só o impossível me importa.” (Clarice Lispector-100 anos nesta quinta, 10/12/20).

Nesses últimos dias, o Brasil se vê instado a bradar por socorro, tal a zorra, os desencontros, a falta de gestão em que parece mergulhar o país. Bradamos por socorro ao possível, ao mínimo possível. E não ao impossível, aquele sufoco do grito existencial de Clarice Lispector, a cujo centenário de nascimento, neste 10/12, todos os escritores deveríamos nos curvar em reverência e gratidão.

Cabe, sim, gritar por socorro pela declaração do Ministro Pazuello da Saúde ao declarar que aglomerações (como na última campanha eleitoral) não teriam nada a ver com o super preocupante aumento da pandemia, a infectar e matar centenas de brasileiros, com hospitais tão lotados como no pique da primeira onda da Peste. Literalmente o horror. Mas não tanto quanto o argumento tosco do Ministro no Congresso Nacional, ao negar a existência desta segunda onda. Apregoando o inimaginável “não se pode mais propor lockdowns, nem nada”. Pelo visto o general da ativa parece tanto desconhecer as 180 mil mortes, quanto até estimular o relaxamento de medidas sanitárias. Tudo em benefício de uma vida “normal”, pela recuperação da economia. Tal como estimula dia sim, dia também, seu chefe o Presidente, que já lhe havia imposto pito público há meses, engolido candidamente com o argumento de que “quem pode manda, ao soldado cabe obedecer”. Minha geração tem o consolo de poder evocar militares do porte de Cordeiro de Farias, Leônidas Pires ou até Castello, guardiões da honra do Exército como instituição permanente de Estado. E não a serviço de mandonices de um Presidente perdido e confuso. Por conta do negacionismo delirante de Bolsonaro, ecoam vários gritos de socorro. E óbvios, como a já inaceitável falta de gestão – certamente o que choca o país – em relação à única esperança de todos nós, a vacinação urgentíssima, antecedida pelo absurdo da não distribuição de milhares de testes com validade quase vencida contra possíveis contaminações. Como especialista em logística até parece que o ministro quer derrubar seu próprio governo ao exibir dúvidas e desconhecimento sobre as vacinas e sua aplicação dentro de um país continental como o Brasil. A situação inquieta gravissimamente o eleitor de 2022, que não perdoará – é o que todos intuímos, quem parece ser o principal interessado, o Presidente-candidato. Além de ambos destruírem suas biografias, como Ministro da Saúde e Presidente, arrastam ao descrédito as Forças Armadas, levadas a emprestar a um governo nulo boa parte de seus quadros. Que nós, cidadãos de bem, respeitamos como fixadores da democracia e da ordem pública desde Deodoro. A que deveria o Gal. Pazuello se submeter? À análise minuciosa e ágil da encomenda aos laboratórios e a entrega das milhões de seringas e vacinas, do Oiapoque ao Chuí. Aprovadas pela Anvisa sim, mas sem qualquer revestimento ideológico, ou mesmo de paróquias estaduais. Quanto mais opções de vacinas, o melhor.

O governo de São Paulo andou à frente das compras? Só merece aplausos e estímulos, jamais beicinhos negacionistas.

Os gritos de socorro movidos pelo desespero deste modesto cronista não param pelo estupor desses disparates em relação ao imediato, nossa vida. Estendem-se à defesa do país por conta de eventos de danosa repercussão como os incontroláveis incêndios da Amazônia e do Pantanal. Ou a atuação pífia de um Chanceler de Calças Curtas nos Fóruns internacionais, com reiteradas descortesias aos nossos dois maiores parceiros comerciais, Estados Unidos e China.

A par dessas desditas ainda se registram gracinhas ofensivas como o desapreço ao Vice Mourão ao não ser designado representante brasileiro na COP.26 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas), substituído pelo hoje indefensável Ricardo Salles, cujo último disparate foi anunciar a transformação (em hotel boutique) do Museu do Meio Ambiente, dentro do Jardim Botânico. Mais uma vez, reprovação geral.

E para dizer que não falei de flores, a cultura, vale registrar a indignação provocada pela Fundação Palmares ao degolar Personalidades Negras como Gil, Martinho e até Elza Soares (do alto de seus 90 anos). Essa insanidade e falta de respeito terão contribuído com o racismo que assassina negros a cada semana.

Não à toa, grito por socorro, não o impossível de nossa aniversariante, mas o socorro contra as trevas.

Encerro essas amarguras com mais Clarice – 100 anos – “porque há o direito ao grito, então eu grito, heroica, solidária e em pé.”


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin,  Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.