Por Kakay –
“Com certeza, a saudade virá”
–Sepúlveda Pertence, na sua última sessão do Supremo.
No princípio, eu o admirava, de longe. Um estudante de direito recém chegado em Brasília, vindo do interior de Minas, olhando, admirado, alguém em quem eu poderia me espelhar. Fundei o Centro Acadêmico da UnB (Universidade de Brasília), ainda na ditadura, com o AI-5 em vigor, e a primeira pessoa que convidei para falar foi Pertence.
Já o amava à época. Depois me formei e tive oportunidade de trabalhar em alguns casos com ele. Aí já era um estágio de quase idolatria. Ele, claro, na sua comovente simplicidade, não gostava muito desse ritual.
A vida me deu muitas oportunidades de ficar próximo dele, menos do que eu queria, mas, talvez, na medida certa para não me intrometer na privacidade, que ele tanto prezava. Uma das histórias que me marcou foi em outubro de 1983, época da intervenção em Brasília. O fascista do general Newton Cruz proibiu reuniões no Distrito Federal. Pertence e eu tínhamos um debate marcado na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), à noite. O presidente da Ordem queria desmarcar, em razão da proibição. Liguei para o Pertence e ele me disse que, naquele momento, o debate era ainda mais necessário.
Foi uma noite histórica e marcou minha vida. Eu debatendo com Pertence em um momento de proibição expressa. Ainda naquela noite, o autoritário general mandou invadir a sede da OAB. O objetivo, soube depois, era apreender a fita do evento para nos prender. Os gorilas, idiotas como de estilo, levaram uma fita que foi oferecida pelo querido funcionário da Ordem: uma fita com a música Fuscão Preto. Perdi a chance de ser preso com meu ídolo.
Anos depois, encontrei Pertence nos corredores do Supremo, ele já ministro. Avisou-me de que havia me mandado um convite e de que eu iria ter uma surpresa. Chego em casa e encontro um enorme, quase indecente, símbolo do Atlético Mineiro, com um convite para a entrega da comenda do galo de prata. Essa era a minha única divergência de fundo com ele; eu, cruzeirense de coração.
Pensei logo numa vingança: contratei um menino para fazer uma coroa de flores, com o escudo do Cruzeiro, e pedi para entregarem para ele no palco do Automóvel Clube de Belo Horizonte, onde iria ocorrer a solenidade. Ele, distraído que era, levantou a coroa e foi um susto. Estava escrito: “Vossa Excelência não merecia isso”.
Naquela madrugada, ele me ligou, junto com Dudu e Evandro, meus irmãos de vida, e disse: “só pode ter sido você”.
Essas são histórias da minha vida pessoal com esse admirável homem brasileiro.
As que vão ficar são as que marcaram o momento da redemocratização do país, momento no qual ele teve um papel fundamental pela sua lucidez, coragem e coerência, além, é claro, da sua jurisprudência no STF (Supremo Tribunal Federal). Que falta ele faz ao Supremo e ao Brasil.
Não gosto de enfrentar os desígnios da vida, mas tenho a mais plena certeza de que não é certo ele ir embora. Se existir um outro lugar, ele certamente estará com meu pai, um homem simples, mas a pessoa que mais amei na vida. E seguramente eles vão estar a olhar para nós e por nós. Obrigado, meu querido. Saudades.
“Meu Deus, globalizaram o menino.”
–Pertence, ao ouvir o agradecimento em inglês de um menino a quem deu esmola em Salvador.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
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