Redação –
Um grupo de pelo menos 20 senadores se articula para criar obstáculos ao projeto de reforma partidária e eleitoral que deverá ser votado no Senado nos próximos dias, após ser aprovado pela Câmara na semana passada. A proposta promove, entre outras mudanças, a flexibilização de regras de prestação de contas de legendas. Em carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ), revelada pela “Folha de S. Paulo”, associações que defendem transparência alertaram que o texto abre margem para caixa 2 e corrupção.
O projeto permite que cada partido utilize um sistema diferente para prestar contas. As siglas ficariam desobrigadas, portanto, de adotar o Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA), implementado pela Justiça Eleitoral em 2017 para padronizar os balanços.
VOTAR ÀS PRESSAS – A medida, segundo seus críticos, dificultaria a análise dos recursos movimentados pelas legendas, em sua maioria públicos. A votação no Senado está prevista para a próxima terça-feira. Na quarta passada, Alcolumbre tentou votar o projeto às pressas diretamente no plenário, surpreendendo senadores.
O movimento “Muda, Senado”, que tem membros de Podemos, Cidadania, Rede, PSL, PSDB, Patriota e PSB, conseguiu obstruir a sessão e fazer com que a matéria tenha de passar para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
A matéria entrou em regime de urgência com a justificativa de atender ao princípio da anualidade, que exige que as regras eleitorais estejam em vigor ao menos um ano antes do pleito.
PRAZO FATAL – Para entrar em vigor em 2020, precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) até outubro. Uma mudança no texto faria com que o projeto voltasse à Câmara, o que praticamente inviabilizaria sua validade nas eleições municipais de 2020.
Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que vai atuar para rejeitar o projeto na íntegra ou tentar suprimir dispositivos da proposta, como mudanças na prestação de contas, retorno da propaganda partidária, uso de verbas do Fundo Partidário para pagamento de advogados ou flexibilização no pagamento de multas eleitorais.
— Nós vamos trabalhar de todas as formas para inviabilizar o projeto — disse.
OBSTRUÇÃO – Para o senador Alvaro Dias (Podemos-PR), a única saída viável para tentar impedir que o projeto seja aprovado é a obstrução. Ele lembrou que são necessários 41 votos para referendar a matéria e que o grupo com mais de 20 membros pode criar dificuldades, como ocorreu na sessão.
— O projeto é imprestável, imoral e não há solução, porque eles não querem alterar, uma vez que voltaria para a Câmara. Não temos votos para rejeitar, mas temos para obstruir, derrubar quórum.
O senador, no entanto, considera improvável a chance de retirar itens do texto, já que a supressão “raramente deixa de tocar no conteúdo” e, caso haja alteração no mérito, o projeto terá que voltar para a Câmara. Por isso, ele disse achar que “vão preferir tratorar”.
VOTO EM SEPARADO – Por considerar a proposta “um absurdo completo”, Alessandro Vieira (Cidadania-ES) falou que o grupo vai apresentar um voto em separado pela rejeição. O senador comemorou ainda que movimentos de renovação política estejam mobilizados contra o projeto:
— Fica parecendo que velhos chefes partidários se reuniram e procuraram soluções para seus problemas.
No relatório em que recomendou a aprovação, o relator, Weverton Rocha (PDT-MA), afirmou que ajustes e emendas poderiam aperfeiçoar o texto, mas destacou que “o risco de desatendimento do prazo terminaria por prejudicar as eleições municipais do ano que vem”.
FACILIDADES – O texto também cria um teto para multas e permite que as siglas usem dinheiro público para comprar imóveis e pagar os advogados que defendem as legendas. Houve ainda uma mudança no fundo eleitoral, cujo valor deixa de ser vinculado a pelo menos 30% das emendas de bancadas parlamentares.
Diretor-executivo do movimento Transparência Partidária, um dos 15 signatários da carta endereçada a Alcolumbre, o cientista político Marcelo Issa afirma que o projeto flexibiliza o controle de transparência, abrindo margem para caixa 2 e lavagem de dinheiro.
— É o maior retrocesso em termos de transparência e integridade dos partidos políticos desde a redemocratização e se for aprovado dessa forma é um voto a favor da corrupção. É um projeto de corrupção partidária, que intensifica a degradação dos partidos políticos — afirmou.
REPULSA – O documento é assinado também por entidades como Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Renova BR. Para o grupo, a autorização para pagamento de honorários advocatícios para defesa de políticos acusados de corrupção e patrocínio de processos de “interesse indireto” do partido com recursos públicos “causa repulsa”. (fonte: O Globo, por Gustavo Maia e Naira Trindade)
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