Por Siro Darlan

Enquanto parte da humanidade investe na destruição de seus semelhantes plantando guerras por mesquinhos interesses econômicos e de domínio, outra parte mostra empatia com o sofrimento alheiro e realiza milagres de solidariedade como demonstra a história de Nicholas Winton, um empresário inglês que ajudou a salvar a vida de quase 700 crianças judias na Tchecoslováquia, no período das invasões nazistas.

As telas mostram um homem bem-sucedido inglês, que ao invés de fugir do cenário de guerra, transporta-se para lá e comovido com os sofrimentos das crianças monta uma ponte de solidariedade para retirá-las do ambiente de guerra e dar-lhes uma oportunidade de sobreviver. Sua grande frustração foi não ter conseguido salvar todas, inclusive o último trem, o nono, não teve tempo de escapar da fúria dos soldados do ódio e foram dizimadas por suas armas.

A história é comovente e heroica, mas não devia ser inusual, já que formos criados semelhantes e a solidariedade deve ser nosso valor incorporado aos nossos costumes. No mesmo instante que somos testemunhas do genocídio em pleno século XXI de crianças e mulheres palestinas, numa simples troca de carrascos, que já foram vítimas e agora são algozes e nos colocamos inertes sem uma reação coletiva e em cadeia para salvar vidas, como fez Nicholas Winton nos anos 1930/1940.

Mas não precisamos ir tão longe. Basta olhar o estado em que se encontram as crianças cariocas, habitantes das favelas e periferias, à mercê da falta de saneamento básico, alimentos adequados para seu desenvolvimento sadio, ausência de atenção básica de saúde, remédios, vacina, vagas nas creches e educação básica, além de ambiente cercado de violência física, psicológica e familiar, que em nada diferem das cenas mostradas no filme “Uma Vida – A História de Nicholas Winton”, que tanto comoveram Nicholas Winton.

Nicholas Winton, cabra de valor | .: Focado em Você :.

Ora, se comoveram os personagens na ficção, porque nossa realidade tão cruel não nos comove? Porque para muitos, essa população deve permanecer na invisibilidade, e na condição de matáveis, como fazem os que invadem as comunidades sob pretexto de estarem em guerra contra as drogas, mas matam crianças e jovens inocentes sob as mais diversas justificativas fáticas e legais, corroboradas por muito tribunais humanos. Os autos de resistência homologam essa violência e a população, enganada, acreditam que estejam autorizados a matar como estavam os soldados de Hitler.

Temos leis sim, mas não passam de enfeites das prateleiras jurídicas para dizer que existem. O Estatuto da Criança e do Adolescentes estabelece que haja um Conselho Tutelar para cada 200 mil habitantes. Por essa equação matemática o Rio de Janeiro deveria ter 70 Conselhos Tutelares, tem apenas 19 males qualificados, mal instalados e mal supridos das necessidades mínimas para cumprir sua missão de assegurar o acesso aos hipossuficientes aos direitos das crianças e adolescentes. Essa também é uma forma de matar crianças como fazia Herodes, cercando-os em seus guetos e impedindo que tenha acesso à vida com dignidade. Depois é fácil, negados seus direitos mínimos é só etiquetar como faziam os nazistas a o lhes tatuar números, basta que os chame de “trombadinhas”, “bandidos” e “sementes do mal”.

Está completa a receita.

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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