Redação

Poucos assuntos têm sido tão debatidos nos meios da política e economia brasileiras quanto a concorrência para a rede 5G, a 5ª geração do padrão de telefonia móvel.

No país, como em outros tantos por todo o mundo, o que está em jogo é se a operadora chinesa Huawei deve ser admitida ou não como fornecedora das multinacionais de telecomunicações. Os Estados Unidos pressionam todos os seus aliados ocidentais –portanto também o Brasil– contra a participação da Huawei, sob a alegação de que a China empregaria a tecnologia da firma para fins de espionagem.

No entanto, a decisão pró ou contra Pequim ou Washington é 1 falso dilema. O Brasil deveria seguir dialogando com ambos. Em sua história, o país provou repetidamente que também é capaz disso sob pressão, e na maioria dos casos se saiu bem.

Esse foi o caso antes da 2ª Guerra Mundial, quando o Brasil conseguiu se manter neutro entre os Aliados e as potências do Eixo. Seus parceiros industriais importantes foram, sucessivamente, os EUA (indústria de base), depois a Europa (automóveis) e, em seguida, Japão (mineração), sem que, apesar da competição ferrenha, eles entrassem em atrito no país.

Na década de 1970, os militares, apesar de próximos aos EUA, entregaram à Alemanha o contrato para a usina atômica de Angra dos Reis –uma afronta a Washington. O alcance dessa decisão na época é, em parte, comparável ao atual, entre a Huawei e as operadoras ocidentais.

Também na época estava em jogo o estabelecimento de padrões internacionais e, portanto, da predominância industrial. Quem quer que controle o padrão global para novas tecnologias tem, a seguir, uma enorme vantagem estratégica em diversos setores, possivelmente por décadas.

Assim foi, na época, com a usina nuclear. Hoje, com o 5G, a coisa é ainda mais dramática, pois a rede será a base para o desenvolvimento de novas tecnologias. Tão mais importante, portanto, é o Brasil defender seus interesses perante os EUA e a China. Pois o país é capaz disso, já que, diferente de outros, joga numa categoria própria:

  • O Brasil está entre as 12 maiores economias mundiais. Em superfície e população, ocupa o 5º e 6º lugares.
  • É 1 dos poucos Estados que têm 1 grande superavit da balança comercial com a China. Isso o fortalece e torna menos chantageável.
  • Também os EUA são 1 importante investidor e parceiro comercial e tecnológico do Brasil. Num mundo polarizado entre chineses e norte-americanos, 1 Brasil neutro ganha automaticamente mais peso.
  • O Brasil é 1 mercado-chave para a 5G. A concorrência para a rede de telefonia móvel será uma das maiores entre os mercados emergentes. Desde já, o país possui uma densidade de conexões de banda larga maior do que a maioria das economias fora dos EUA e da Europa.

Resumindo: a neutralidade brasileira estabeleceria 1 sinal geopolítico. Não é de espantar que Pequim e Washington adotem a política de “cenoura e pau” perante o governo e autoridades do país: por 1 lado, atraem com financiamentos e parcerias estratégicas; por outro, ameaçam com a suspensão dos investimentos.

Isso é normal, e o Brasil não deve se deixar impressionar. Até porque é ingênuo crer que operadoras ocidentais automaticamente reduziriam o risco de espionagem ou hackeamento. Afinal, os serviços secretos dos EUA monitoraram tanto a presidente Dilma Rousseff quanto a Petrobras.

Além disso, de 30% a 40% do equipamento da rede móvel brasileira já se compõe de peças da Huawei. A eliminação destas e exclusão do conglomerado chinês atrasaria em anos o urgentemente necessário impulso de produtividade com a implementação da rede 5G. Uma competição acirrada entre os fornecedores, por outro lado, possivelmente tornaria mais fácil controlar as redes.

O Brasil deve tentar procurar parceiros por todo o mundo –na Ásia, América Latina, mas, acima de tudo, na Europa– que igualmente se vejam diante de 1 falso dilema e se preocupem com a polarização crescente.

Contudo, resistir à pressão e encontrar 1 caminho do meio é trabalho árduo, sobretudo para os diplomatas brasileiros. “O Brasil vai ter que usar na diplomacia algo que não está acostumado a fazer de uns tempos para cá”, comenta Marcos Azambuja, ex-embaixador e decano dos diplomatas do Brasil.


Fonte: Poder360 / Deutsche Welle-DW