Por Lincoln Penna

Para a treva só há um remédio, a luz. (Monteiro Lobato)

O Ser humano é visceralmente otimista. Afinal, é a única espécie que tem a certeza de que sua vida é finita, e mesmo assim vislumbra cenários futuros com a certeza de que estará presente. Supera adversidades, resiste tanto quanto pode à opressão, luta constantemente para conquistar melhores condições de vida, e assim vai levando sua existência.

Para quem já percorreu décadas de vida e chegou à maturidade avançada a ausência de projeto de vida é algo que desperta essa sensação de que se está chegando ao fim. O que reduz essa sensação é a construção de algo que motive o caminho como se ainda faltasse um longo tempo, e que possa motivar e a realimentar a ideia de que vivo se está e vivo se manterá não importa por quanto tempo.

Isso se aplica a vidas de cada indivíduo. Mas pode ser também aplicado à sociedades diante de impasses aparentemente de difícil resolução. Principalmente aquelas que trazem um enorme legado de injustiças sociais, responsáveis pelas desigualdades que impedem concretamente que a maioria de seus cidadãos tenha possibilidade de uma vida menos cruel, pois imaginam que jamais poderão alcançar. Resultado mais cruel dessa situação, cuja solução, no entanto, depende em parte da vontade de superar as estruturas indignas que os mantêm assim.

No Brasil precisamos mais do que nunca partir para a reconstrução em dois planos. O plano de remoção do entulho deixado por uma estrutura social das mais desiguais do mundo, na qual se encontra presente desde o racismo proveniente de quatro séculos de escravidão e do latifúndio do passado e do presente, tenha o nome que tiver; e a reconstrução do pouco, muito pouco, de democracia que se conquistou, sem que por isso mesmo se garantisse acesso aos bens por parte dos grandes contingentes sociais marginalizados pela pobreza e miséria estruturais.

Não é mais uma questão de etapas. Tornou-se uma coisa só a tarefa de reconstrução, porquanto passa necessariamente por ambos os obstáculos que nos impede de realizar o sonho coletivo de uma sociedade miscigenada cultural e etnicamente, mas que se constituiu num povo admiravelmente criativo e capaz de ele próprio conduzir sua verdadeira emancipação.

Se cada um deve alimentar seus sonhos, o sonho coletivo precisa ser realizado para que se possa usufruir os sonhos que acalentamos. Da mesma forma que ao nível pessoal é preciso que todos nós criemos nossas utopias, aquela na qual desejamos uma vida interminável, como se não tivesse fim; do ponto de vista de uma coletividade nacional é urgente que se tenha um projeto de superação de seus entraves, do contrário morreremos todos de amargor, desilusão ou de abandono, o que é pior, pois já se disse que a pior derrota é a que resulta de nosso abandono.

Creio nesse otimismo que transcende a nós mesmos como pessoa, e nos voltamos para a totalidade dos seres humanos. Só assim, os sonhos individuais têm sentido. Isolados não sonhos senão meros seres vivos. Juntos todos nós somos capazes de aspirar um mundo melhor, mais fraterno e solidário. Sem esses atributos nada serve ser feliz sozinho, somente os imbecis pensam em se realizar sem que todos também tenham a oportunidade de compartilhar da felicidade, que só se faz com o concurso de todos. A tal felicidade desconectada com seus concidadãos é a sua própria negação.

Para o filósofo Nietzsche, “estar bem” graças a circunstâncias favoráveis ou a boa sorte não é felicidade. Essa ideologia que consagra a sorte como felicidade, de modo a estimular os jogos de azar ou de sorte, que hoje se espalhou mundo à fora é um traço dessa aparente felicidade. Aliás, nas grandes crises, como a grande depressão iniciada em 1929, multiplicaram-se os eventos nos quais se abusava da situação de uma massa enorme de desempregados através de concursos de dança. Neles ganhava o casal que permanecesse mais tempo dançando a orgia da miséria social. A sorte ingrata sorria, numa falsa felicidade momentânea.

Pensemos na grande roleta verdadeira, a que remove o passado que tem infelicitado a nação brasileira e suas classes dominantes que o faz permanecer atual em meio à desgraça nacional. A tarefa da reconstrução está à espera dos autênticos patriotas, pois estes não têm fronteira nacional que limite seu desejo de justiça social para todos os seres humanos. Mas, aqui, façamos pelo menos a nossa parte.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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