Por José Carlos de Assis

Pela primeira vez na história dos partidos políticos brasileiros, me defrontei com um projeto de emenda constitucional de origem partidária que se revela um instrumento efetivo de luta contra situações econômicas de profunda recessão. Subscrito pelos deputados do PT Paulo Teixeira e Henrique Fontana, traz as digitais da Teoria Geral de Keynes e da teoria de Finanças Funcionais, de Abba Lerner, a âncora principal da chamada Teoria Monetária Moderna.

A proposta está sintetizada num projeto de emenda constitucional para se proteger de eventuais investidas de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro; com isso, evita-se a interferência do Governo nos seus fundamentos, depois de eventual aprovação. O projeto tem uma simplicidade técnica espetacular, de fácil assimilação, em contrapartida de uma complexidade política que a torna praticamente inviável em condições normais.

Acontece que não estamos em condições normais. Estamos numa situação de pandemia com poucos precedentes históricos, e certamente nenhum no Brasil, e já numa depressão econômica que jamais enfrentamos no passado, inclusive nos anos da Grande Depressão dos anos 30 – suavizada porque tínhamos inteligência no governo. O projeto define simplesmente que o Governo, em condições de recessão – portanto, com elevada capacidade ociosa no sistema produtivo –, pode emitir moeda sem limites.

A recessão, numa economia capitalista mista, com ainda forte presença do Estado do lado da oferta e da demanda -, produz a mágica de possibilitar o financiamento não inflacionário do investimento e do emprego sem pressão inflacionária, pelo menos até o esgotamento da capacidade ociosa. Qualquer aluno de primeiro ano de Economia pode entender isso. Mas poucos alunos do quarto ano, nas condições ideológica brasileiras, consegue sair da caixinha que diz que o governo, em qualquer circunstância, não pode gastar mais do que arrecada.

O projeto dos dois deputados, que gostaria de ver encampado de uma forma unânime por todos os parlamentares, talvez encontre passagem no confronto direto com as duas crises, possibilitando o resgate do Brasil, seja da pandemia seja da depressão. Basta que aplique o princípio que está em sua ementa, a saber, que o Banco Central emita moeda livremente – claro, na forma eletrônica – para atender às demandas legítimas do orçamento público até o nível que for necessário para vencer as duas crises.

Como coincidência, outro parlamentar, Paulo Ramos, do PDT, está buscando em sua bancada apoio para apresentar os projetos de uma emenda e de uma lei obrigando o Governo federal a pagar dívidas que somam de 1 trilhão 380 bilhões aos Estados e Municípios, por conta da Lei 9496 e da chamada Lei Kandir. Esse dinheiro tem sido sonegado pela União desde 1997. Ele escapou desse pagamento, inclusive na esfera judicial, sob a alegação de que não tinha base fiscal para isso. Bem, agora tem. Basta aplicar Finanças Funcionais. E combinar com os Estados um programa conjunto de realização de obras e de recuperação de salários de servidores, como estamos defendendo no Movimento Nacional pela Justiça Social. As grandes empresas

também serão beneficiadas, seja por crédito barato, seja principalmente pelo aumento da demanda.

O Movimento Nacional pela Justiça Social vem estudando a dívida dos Estados junto ao Governo federal desde 2017. A isso também se tem dedicado Maria Lúcia Fatorelli, a heroína da denúncia da dívida pública federal, e seu colaborador, Paulo Lindsay. Sustentamos fortemente que são infundadas as alegações de que os Estados tem imensas dívidas com a União. Ao contrário, tem crédito.

Na origem dos débitos constatamos interferências do FMI e do Banco Mundial, desde os anos 80 do século passado, nas finanças públicas brasileiras, de forma insidiosa. Para que o país fizesse os infames e recessivos superávits primários – “economizando” dinheiro, como dizem comentaristas despreparados economicamente -, forçaram, no governo Fernando Henrique, a privatização dos bancos comerciais dos Estados e de outros ativos, inclusive da água. Ingenuamente, embarcamos no fetiche a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo grande mérito foi, junto com o pagamento da dívida nula, o garroteamento dos investimentos públicos.

(O texto de lançamento do Movimento Nacional pela Justiça Social está nos endereços cartatrabalho.com.br e frentepelasoberania.com.br, e no meu perfil no facebook.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.