Por Jeferson Miola

Em reportagem de 5 de outubro de 2018, dois dias antes do primeiro turno da eleição daquele ano, portanto, o jornalista argentino Marcelo Falak, dos portais Ámbito Financiero e LetraP, da Argentina, escreveu que “Bolsonaro presidente era o projeto secreto da cúpula militar”.

“Jair Bolsonaro foi o homem que a cúpula das Forças Armadas escolheu há quatro anos para se tornar presidente do Brasil”, começa a referida matéria – confirmando o que de fato havia acontecido; ou seja, o lançamento da candidatura do capitão no pátio da AMAN, ainda em 29 de novembro de 2014, quatro anos antes da eleição de 2018 [vídeo aqui].

Falak apurou junto a “uma alta autoridade das Forças Armadas que desempenha um papel institucional relevante” que “se ele [Bolsonaro] vencer as eleições de domingo [7/10/2018], o programa do futuro governo cívico-militar será politicamente conservador e absolutamente liberal no econômico, e buscará erradicar a ‘extrema-esquerda’ de uma vez por todas”.

Na matéria, Falak assinalou detalhes relevantes, como sobre o planejamento da candidatura militar, o ativismo político nos quartéis, o antipetismo como expressão contemporânea do anticomunismo, a inflexão ultraliberal, a trajetória de Bolsonaro, seu terceiro casamento e, inclusive, acerca dos dois anos de psicanálise que ele supostamente teria feito.

Dando um salto no tempo, depois de passar pelos três anos e cinco meses de governo militar catastrófico, se chega neste maio de 2022, e então se pode confirmar os vaticínios da reportagem do jornalista argentino. O principal deles, de que os militares acalentam um projeto duradouro de poder; um projeto de longo prazo.

As ameaças golpistas que se intensificaram nas últimas semanas foram acompanhadas de uma mudança qualitativa do protagonismo do partido dos generais – dos comandantes das três Forças e do general-ministro da Defesa. Eles dispensaram a atuação indireta, terceirizada, camuflada, disfarçada, e passaram a assumir o antagonismo frontal e direto ao TSE e ao STF. Comportaram-se, enfim, como falange partidária armada; verdadeiras milícias fardadas.

Em evento com a presença do general-vice presidente Hamilton Mourão [19/5], lançaram o chamado “Projeto de Nação”, trabalho elaborado por três institutos militares que corresponde ao programa de governo [ou regime] militar de longa duração, pelo menos até o ano de 2035.

O documento resume, em relação aos temas abarcados – saúde, educação, costumes, soberania, “globalismo”, economia, Amazônia, áreas indígenas, segurança etc –, a visão doutrinária da contrarrevolução fascista que está sendo promovida pelo bolsonarismo.

O tal “projeto de nação” expressa uma visão integral de país desde a perspectiva do Exército, não do poder político soberano. Por sinal, a proposta guarda absoluta coerência com o brutal processo de devastação e destruição levado a cabo pelo governo militar.

Como destacou o antropólogo Guilherme Lemos em entrevista a Chico Alves/UOL, “não há dissociação entre o projeto e o que o Exército brasileiro enquanto instituição pensa sobre o Brasil nas mais diversas áreas”.

O pesquisador da UFSCAR alerta para a proposta de criação de um “Centro de Governo” – ente estratégico, de existência permanente, dotado de poder e mandato para materializar o “projeto de nação” concebido pelos militares, independentemente de eleições.

Isso significa que a concretização do projeto “independe da alternância de poder, é para ser implementado no atual governo e nos que virão”, avalia Guilherme Lemos.

A publicação do “projeto de nação” é um sinal importante de posicionamento político e institucional das Forças Armadas, em especial do Exército. É mais um ingrediente adicionado ao cardápio de investidas sistemáticas de Bolsonaro e do partido dos generais contra o Estado de Direito e o pouco que ainda resta de democracia no Brasil.

Mais além de representar uma visão totalitária, reacionária e retrógrada de país, esta iniciativa dos militares é um verdadeiro disparate numa democracia.

É, também, uma mensagem inaceitável de que as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que alimentam a tola fantasia de que são eles próprios os fundadores” da nação e da nacionalidade brasileira e os únicos capazes de conduzir os destinos do país em lugar das elites civis incompetentes, no mínimo buscarão continuar exercendo a tutela do poder civil.

Isso se eles não se atreverem a tentar exercer diretamente, de maneira ilegítima, o comando do país.

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Historiador recorda que antes das câmaras de gás, nazistas assassinavam pessoas em caminhões de gás

Ao comentar a respeito do assassinato por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos cometido por agentes da Polícia Rodoviária Federal [PRF], o historiador e professor da UFRJ Francisco Carlos Teixeira da Silva recorda que antes da adoção das câmaras de gás na Alemanha dos anos 1930, os nazistas eliminavam pessoas em caminhões de gás.

“Os caminhões de gás nazistas antecederam as câmaras de gás [imagem a seguir] …. Agora redescobertas pela polícia brasileira!”, comenta, com escandalizado espanto, o professor da UFRJ.

caminhões de gás nazistas1

Na opinião dele, “os últimos eventos policiais no Rio de Janeiro e em Sergipe, na esteira de tantos outros, mostram que as polícias brasileiras se fascistizaram de vez. Estão dispostas e agem como tropas SS”.

“Não podemos esperar limites”, diz Francisco, alertando ainda que “no processo eleitoral [as forças policiais] estarão disponíveis para todas as provocações e crimes contra a democracia”.

Para ele, “o passado não é a fonte de inspiração. Nem 1954, nem 1961, nem 1964. Temos que ter mente as novas formas de golpes e ameaças contra a democracia, como se deu na Bolívia em 2019, com brutal violência”.

No golpe perpetrado contra o governo Evo Morales, as polícias exerceram papel decisivo na conspiração e com notável violência, abrindo o caminho para as Forças Armadas consumarem o golpe.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista, Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial


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