Por João Batista Damasceno

É o proibicionismo e a guerra às drogas que geram a violência contra crianças, idosos, trabalhadores e outras pessoas que jamais tiveram contato com drogas ilícitas, que pavimentam o caminho para a corrupção e que matam policiais mandados irresponsavelmente para o confronto.

Desde 2007 se realiza, anualmente, no Brasil, a Marcha da Maconha propondo a regulamentação das drogas que são vendidas em larga escala em todo o país, apesar do proibicionismo. Inicialmente os manifestantes da marcha enfrentaram resistência, pois o Ministério Público a considerava apologia ao uso de drogas e tentava impedir, na Justiça, a manifestação.

E, lamentavelmente encontrava juízes que lhe dava ouvidos. Em 2011, o STF decidiu que debater e propor a legalização das drogas não se confunde com apologia ao seu uso. Por falta de proposta a ser apresentada à sociedade, alguns candidatos adotam pautas moralistas e alguns insistem na confusão entre a proposta de legalização com a apologia. Trata-se do mesmo pessoal que é contra a vacina, pois a seringa usada pode também servir para outros fins, inclusive uso de drogas injetáveis. Vá entender!

Na Marcha comparecem pessoas de diversas correntes de opinião na defesa da legalização da produção, comércio e consumo, que o Estado finge poder controlar exclusivamente por meio de seu aparato repressivo. Os que as usam e os que lucram com o comércio ilegal não têm razões para defender a regulamentação. Ao contrário. Os que usam já têm fornecimento garantido e os que lucram com o proibicionismo não querem a concorrência da legalidade, nem controle sobre o que comerciam.

Mas os que não usam ou não lucram com o proibicionismo e são contra o tráfico têm razões sérias para pretenderem a regulamentação.

É o proibicionismo e a guerra às drogas que geram a violência contra crianças, idosos, trabalhadores e outras pessoas que jamais tiveram contato com drogas ilícitas, que pavimentam o caminho para a corrupção e que matam policiais mandados irresponsavelmente para o confronto. Morre-se e mata-se em razão da proibição em número assustador, quando os casos de morte por overdose são raros. A vida e a Saúde pública não são defendidas com o proibicionismo, pois apenas serve para justificar o aparato repressivo, o lucro dos agentes públicos corrompidos pelo tráfico e o controle da sociedade.

A Lei Seca nos Estados Unidos incentivou o desenvolvimento da máfia, da qual Al Capone foi o ícone. Regulamentado o comércio de bebida alcoólica, a máfia estadunidense teve que buscar novos negócios. Pessoas que cultivavam videiras e proprietários de pequenos alambiques clandestinos puderam produzir para consumo familiar sem necessidade de se armar ante o risco da violência para roubo do produto proibido.

Por se tratar de ano eleitoral, na internet já circulam vídeos de pessoas que não se apresentam como candidatas, mas aparentam esta qualidade, criticando a regulamentação. Suponho se tratar de pessoas sem efetiva preocupação com os efeitos danosos do proibicionismo. Em um dos discursos demagógicos diz-se da necessidade de tolerância zero com usuários de drogas, porque por falta de dinheiro cometeriam pequenos furtos para adquiri-las. O problema para quem faz tal discurso não é a droga. Mas a pobreza e a miséria.

Em suas visões os usuários que tenham recursos para a aquisição não devem ser incomodados.

Este tipo de discurso vazio, apresentado como defesa de valores éticos reais, acaba por esconder as efetivas relações de tais oradores, notadamente quando já testados em cargos nos quais poderiam ter ajudado na segurança dos direitos. Em casos concretos nos quais seus auxiliares foram flagrados com vultosos valores monetários, em espécie, que não se comparam com furtos de pequena monta, ficaram calados.

Desde o ano da primeira Marcha da Maconha, 2007, tenho tido intensa interlocução com policiais, promotores, magistrados, professores e outros profissionais que estudam os efeitos danosos do proibicionismo, dentre os quais os membros da associação dos Policiais Antifascismo, que teve como um dos fundadores o delegado fluminense Orlando Zaccone. Em audiência pública no Senado Federal em 2014, tive a oportunidade de deixar nos anais daquela casa a opinião de que a regulamentação não significa liberação, nem favorecimento do consumo.

É necessária a eliminação da política de proibição das drogas e a introdução de uma política alternativa de controle e regulação, com medidas restritivas à venda e ao uso em razão da idade, da mesma forma das restrições para aquisição ou consumo de álcool, de tabaco, para direção de veículos e operação de equipamentos pesados.

Leia também: Regulamentação das drogas ilícitas no Brasil – por Daniel Mazola 

Uma criança ou adolescente pode ter dificuldade em comprar bebida alcoólica ou cigarro na maioria dos estabelecimentos comerciais do país, pois é regulamentado, mas nada a impede de adquirir o tipo de droga ilícita que quiser. Somente os que lucram com o comércio ilegal têm razões justificáveis, por seus interesses, para a manutenção do proibicionismo e a guerra às drogas. Policiais brutalizados ou corruptos e traficantes não desejam regulamentação e controle das drogas.

Policiais que apoiam a regulamentação são de novo tipo: humanizados.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI. Texto publicado inicialmente em O Dia.


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