Por Luiz Augusto Erthal e Claudionei Abreu

“O Jacarezinho é hoje um território onde a Constituição foi revogada”. A declaração feita pelo desembargador Siro Darlan retrata a condiçao dramática de terra sem lei em que a comunidade de mais de 70 mil moradores na Zona Norte do Rio de Janeiro, nascida de um quilombo, vive hoje, submetida, segundo ele, aos açoites dos “escravocratas modernos”.

No dia 6 de maio do ano passado, uma incursão da Polícia Civil resultou na mais letal ação policial já realizada no Rio de Janeiro, com um saldo de 29 pessoas mortas por tiros de fuzil e objetos cortantes. No dia 19 de janeiro deste ano, uma força de 1.200 homens – 800 policiais militares e 400 agentes da Polícia Civil, segundo informações do governo do estado – ocupou a favela em ação comemorada pelo governador Cláudio Castro, pré-candidato a permanecer no cargo nas eleições de outubro próximo.

Antes e depois da ocupação, moradores vêm sistematicamente relatando arbitrariedades policiais, como invasões de casas sem mandato judicial e até mesmo roubo de pertences dos moradores. A atuação do estado na região motivou o desembargador Siro Darlan a organizar um debate online, transmitido na semana passada pela TV GGN, com o apoio da Associação Nacional de Advogados Criminalistas, reunindo juristas, magistrados e representantes da comunidade.

“O judiciário no Brasil acabou. Ficou à mercê de juízes fascistas, que fazem o que querem. É um judiciário rascista” – Siro Darlan

“O governador fez o que quis. Invadiu a região, invadiu e desrespeitou lares, subtraiu bens e a sociedade não deu voz aos moradores do Jacarezinho”, jutificou a iniciativa. Segundo Darlan, os policiais entraram na comunidade “para desrespeitar a população pobre e trabalhadora” sob a complacência do judiciário. Para ele, o rascismo é o pano de fundo desse quadro trágico.

Jacarezinho em debate

Mediado por Siro Darlan, a live transmitida pela TV GGN debateu as violações de direitos humanos na ação do Jacarezinho e a ausência de políticas públicas para segurança no estado do Rio de Janeiro.

Debate reuniu lideranças, jornalistas e juízes progressistas / Reprodução
Lourenço Cezar da Silva, doutorando em Serviço Social pela UFRJ e diretor do Museu da Maré e Portal das Favelas, afirmou que a falta de segurança nas favelas impossibilita o desenvolvimento social das comunidades.
“Durante muitos anos, nós lutamos por escola, hospital e vários outros serviços na comunidade. Hoje, a Maré é a favela que conquistou maior número de equipamentos públicos do estado. Mas, por incrível que pareça, a segurança não chegou. Por conta disso, até mesmo para cobrar a melhoria dos serviço que já existem, nós somos prejudicados porque os outros poderes estabelecidos na favela exercem influência sobre esses equipamentos”, disse.
Lourenço também apontou uma razão para a falta de projeto eficaz para o combate à violência no estado. “O que acontece é que a segurança pública, no Rio de Janeiro, depois da redemocratização, tem sido utilizada muito mais como uma pauta eleitoral”, conta. “Hoje, temos pouca avaliação sobre as ações que são feitas e poucos casos de sucesso de políticas de segurança pública. Eu sinto um vazio de falarmos sobre políticas públicas na segurança que deram certo”, lamenta o doutorando.
Favela do Jacarezinho / Wikipedia

O jornalista Rumba Gabriel, que também é escritor, teólogo e liderança local há três décadas no Jacarezinho, onde mora há 66 anos, lamentou a ausência de dados atualizados para formulação de políticas públicas para a comunidade.

“Temos que mudar a pirâmide social que temos. Esses governos genociadas, tanto o federal quanto o estadual, precisam descer e a educação subir e, na sequência, a saúde. O Jacarezinho tem, há mais de 20 anos, o pior IDH do Rio de Janeiro, segundo o Instituto Pereira Carneiro e o IBGE, que ainda mostram um censo sobre nós de 10 anos atrás, dizendo que ainda somos 37 mil pessoas. Como fazer um projeto com esses números distorcidos? É claro que há um processo genocida e de extermínio desse povo. Há anos falo sobre isso”, desabafou.

O ativista criticou também a passividade do judiciário em relação às violações de direitos humanos que são realizadas nas favelas do Rio de Janeiro.

“As reclamações chegam ao judiciário, mas não acontece nada. Temos que ter o foco no Judiciário, que ganha muito bem para fazer o trabalho que faz. Por que não nos ouvem? Por que só prenderam os negros? Por que nunca prenderam os filhos de Bolsonaro? Mas tem sempre um juiz sustentando essas atrocidades e sempre temos que engolir isso tudo”, lamenta. “Sem núcleos de todos os órgãos públicos dentro da favela, jamais teremos cidadania completa”, defendeu o jornalista.

Felipe Carvalho, advogado popular, defensor dos Direitos Humanos, faloou sobre os desafias de atuar na coordenação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores Sociais e Ambientalistas do Estado do Rio, do qual Rumba faz parte.

“O que está acontecendo no Jacarezinho não é normal e não é aceitável. Através do programa de proteção aos defensores de direitos humanos, temos utilizado o arcabouço judiciário, junto aos órgãos competentes, para dar voz ao líder comunitário Rumba Gabriel. Através dele, o Ministério Público e outros diversos órgãos têm se mobilizado para reestabelecer a democracia dentro do Jacarezinho”, disse Felipe.

O desembargador João Batista Damasceno, que também participou da roda virtual de conversa, falou sobre como os juízes democratas e jornalistas podem apoiar as lutas pelos Direitos Humanos.

“A organização social é capaz de contrapor a truculência do estado. O estado, nessas circunstâncias, se torna um instrumento de interesses escusos. Dentro das instituições existem pessoas que são aliadas dessa luta e a organização de todas essas forças é capaz de romper esse ciclo”, comentou.

Fonte: Toda Palavra

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