Por Siro Darlan

Finalmente, voltei a advogar, e minha primeira experiência foi fazendo uma sustentação de 60 minutos em processo administrativo kafkaniano de fundo eminentemente político persecutório.

O Presidente da Câmara dos Vereadores esta sendo acusado de praticar o seguinte “delito”: Agendar uma reunião de trabalho para as 18 horas. O Regimento Interno da Casa Legislativa por ele presidida dispõe que lhe compete dirigir, executar e disciplinar os trabalhos legislativos e administrativos da Câmara.

Sem outros argumentos, embora o regime seja o presidencialismo, seus pares entendem que ele só pode pautar os trabalhos “a critério da Mesa Diretora”. Desse modo, segundo apurado em gravações lícitas obtidas através de um dos interlocutores ficou claro que o Prefeito do Município, em razão de ódio pessoal contra o vereador, resolver cooptar os demais vereadores para destituí-lo do cargo. Iniciado por um processo ininteligível, todas as aberrações processuais foram praticados pela Comissão processante, desde atropelar os prazos legais, passando por não se dar por impedido os parlamentares denunciantes e interessados diretamente na causa, nem os membros da Comissão Investigativa, até a juras de ódio ao indigitado presidente.

Gravações lícitas foram apelidadas na Cidade como “Intercept 2”, tamanha a semelhança da perseguição politica sofrida pelo Presidente Lula e somente desfeita pelo Poder Judiciário, após a publicidade dada às gravações entre membros do ministério público e o juiz suspeito e incompetente. A Comissão Processante parece ter estudado o Código Penal Russo da época se Stalin, onde um tipo aberto do artigo 58 permitia enquadrar, processar e condenar sumariamente qualquer inimigo eleito na ocasião.

A sensação de voltar a tribuna dos advogados para defender um injustiçado encheu-me de orgulho e essa volta triunfante só foi superada pela obtenção de êxito dos agentes de perseguição que conseguiram destituir da presidência um político jovem, promissor, corajoso, serio e sobretudo inocente. Mas a sensação do dever cumprido, foi maior que o resultado injusto de “cartas marcadas” pelo ódio e ressentimento. Naquele pequeno recando da Casa Legislativa todo ódio destilado na humanidade em guerras cruéis e injustas se manifestaram. Levei em mãos a Constituição de 1988, essa conquista civilizatória da sociedade brasileira que naquele recinto foi rasgada em suas garantias do devido processo legal, do amplo direito de defesa e todas os demais fundamentos que sustentam uma democracia por motivos pessoais, privados e mesquinhos.

Gravações mostraram a existência de negociação financeira entre o Prefeito e os dez vereadores, o que desafia a ação fiscalizatória do Tribunal de Contas e do Ministério Público. Subtração de documentos públicos necessários ao conhecimento do processo público foram anotados na delegacia de policia para investigação. Ao final restou o acerto da existência de uma TV Câmera que tudo filmou e documentou para fins de publicidade e transparência dos atos públicos como uma das conquistas do presidente afastado que tanto incomodou seus pares ao dar publicidade aos atos do poder legislativo local como uma necessária prestação de contas.

Os discursos políticos, as correntes de pensamento predominantes e as orientações tradicionais tem sido revisitados a partir do pensamento filosófico de Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jean-Paul Sartre e Jacques Derrida, que desafiaramidéias pré-concebidas, explorando minuciosamente detalhes e desmontando em busca de novas formas de alcançar o conhecimento e a verdade. A hermenêutica tem desempenhado um papel crucial na decifração de ideias, explorando pensamentos ocultos no ser humano, significados subjacentes ao seu contexto, preconceitos e medos.

Michel Foucault revolucionou a busca da verdade ao analisar o micropoder, aplicando esse conceito aos aspectos mais íntimos da vida das pessoas, como suas casas e locais de trabalho. Ele também examinou a política a partir da perspectiva da biopolítica, com foco no corpo e na sua evolução dentro de uma sociedade de controle. Esta mudança de abordagem questionou a verdade até então estabelecida, ao introduzir novos métodos de conhecimento, como a hermenêutica e a revelação do ser. Como sustentou Jean-Paul Sartre, o ser humano está condenado à liberdade, que se baseava na ideia de Nietzsche sobre a morte de Deus e a consequente solidão do indivíduo, obrigado a tomar as rédeas do seu próprio destino.

Contudo, apesar do sofrimento e da dor que essas mudanças conceituais produzem muitos pensadores que tentaram interpretar estes conceitos distorceram frequentemente os seus significados, minando o valor das palavras e conceitos. Às vezes parece que a representação desses significados fica confusa e exposta a dúvidas, levando a contradições que enfraquecem ainda mais as ferramentas de comunicação.

Hoje guerras de egos se encontram em ambientes políticos onde devia predominar o interesse publico e a busca da verdade para atender as reais necessidades do povo que elege seus representantes na esperança que eles produzam as mudanças necessárias para trazer a paz e reduzir as desigualdades sociais. No entanto alguns políticos parecem ter perdido a lógica que a humanidade desenvolveu ao longo de séculos de trabalho epistemológico.

Contudo, parece que a estratégia de alguns políticos se baseia no engano, desafiando a lógica, o conhecimento e a experiência. Devemos lembrar que estas ferramentas nos orientam para não cairmos em confusão e nos ajudam a tomar decisões informadas nos próximos processos eleitorais. O pós-modernismo, longe de ser um obstáculo, pode ser uma ferramenta valiosa para compreender e confrontar os truques dos políticos e garantir que eles não subestimam a nossa inteligência.

Quando será que políticos se dedicarão mais aos interesses públicos e coletivos que seus privilégios e interesses pessoais?

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Delegado de Prerrogativas da OAB-RJ; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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