Por João Batista Damasceno –
O governador Cláudio Castro anunciou um aumento salarial para a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.
Mais de 46 mil militares terão direito a uma gratificação correspondente a 150% do soldo já na folha salarial de janeiro, a ser paga em fevereiro. A Polícia Civil ficou de fora do aumento e apenas terá direito à recomposição parcelada, deferida a todos os funcionários do Estado após embate com o legislativo.
O governador postou mensagem nas redes sociais dizendo que “se pudermos valorizar ainda mais os nossos bombeiros e policiais militares, faremos. Não mediremos esforços para garantir mais conquistas para a Segurança Pública”. Inegável o direito de tais trabalhadores ao reconhecimento de seus trabalhos, mas a declaração do governador restringe o conceito de segurança aos servidores militares, excluindo até mesmo a Polícia Civil da área de Segurança.
Mais que o reconhecimento pelo tipo de atividade que vem sendo desenvolvida pela policia fluminense, cuja violência tem se exponenciado ano a ano, o que está em jogo é um projeto político alinhado com o governo federal. No âmbito federal o presidente Bolsonaro fez incluir no orçamento deste ano reajuste salarial apenas para as Polícia Federal e Polícia Rodoviária, base bolsonarista do funcionalismo. Várias categorias de funcionários federais reagiram à discriminação, e isto pode inundar o Judiciário com milhares de ações requerendo a isonomia, além de outras medidas pelos servidores.
A tomada de parcela armada do funcionalismo como base política pode ser medida que desorganiza o serviço público e pode ser danosa para a ordem democrática e para as instituições. No início de 2020, no Estado do Ceará governado por opositor do presidente, policiais militares iniciaram motim com ofensa à integridade física e risco à vida de quem se opunha ao movimento. O então ministro Sergio Moro visitou o estado e sua presença mais pareceu apoio aos amotinados. Não se tratava de greve, pois agentes públicos armados não fazem greve, mas comentem crime de motim, rebelião ou sedição.
Todos estes crimes consistem em afronta à ordem legal estabelecida a quem devem assegurar.
O projeto militar de poder que remanesceu após a redemocratização impregna o conceito de que os policiais militares e bombeiros militares são os responsáveis pela Segurança pública. São forças auxiliares do Exército. Neste sentido, Segurança pública é repressão e violência, e nela não se enquadram outros serviços públicos preventivos da insegurança. Tampouco se enquadra a Polícia Civil e sua área técnica, responsável pelas investigações dos crimes e pelas perícias indispensáveis à elucidação de determinados crimes. O desprestígio da área investigativa em relação à repressiva propicia a discrepância salarial onde um soldado iniciante, no Rio de Janeiro, tenha ganhos superiores a um inspetor da Policia Civil com dez anos de serviço.
No conceito de Segurança pública vigente, somente quem a faz é quem está na rua promovendo o enfrentamento, ainda que os bombeiros não sejam parte desta atividade quando em serviço oficial. Assim como o governo federal, o governo estadual privilegia os servidores militares em detrimento dos servidores civis. A investigação dos homicídios não é privilegiada e por isto os inquéritos acabam arquivados com a sigla A.I. (autoria ignorada). Poucos homicídios das dezenas de milhares anuais no Brasil são elucidados por investigações.
O modelo de Segurança pública instituído em nossa sociedade, seja no âmbito federal ou estadual, valoriza a violência e a repressão e mesmo dentro das instituições policiais os órgãos de maior periculosidade são privilegiados. No Rio de Janeiro tanto o Bope, da Polícia Militar, quanto a Core, da Polícia Civil, recebem gratificação não deferida aos demais policiais.
A polícia castrense é a polícia da repressão e da violência, compatível com a incivilidade dos tempos presentes. Não que a Polícia Civil fluminense igualmente não tenha departamento para exercício da violência. A chacina do Jacarezinho em maio de 2021 demonstra que ela igualmente tem grande capacidade letal.
A valorização dos servidores públicos em geral, pois todos indispensáveis aos administrados, e a ampliação do conceito de Segurança pública, para além do restrito conceito repressivo e violento, é o que nos propiciará uma cultura humana, fraterna e solidária onde convivamos civilizadamente.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI. (Publicado inicialmente em O Dia)
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