Por Siro Darlan –
Segundo noticiário, mais um morador da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, foi morto durante operação da Polícia Militar na manhã desta quinta-feira. Segundo a corporação, os agentes acharam que o homem portava um fuzil. De acordo com relatos de moradores, o catador de recicláveis, de 50 anos e com problemas mentais, estava com um pedaço de madeira.
No Rio de Janeiro o governador reeleito Cláudio Castro diz que irá até o fim contra lei que prevê câmeras em uniformes de policiais. Seu antecessor, da mesma chapa defendia que a policia tinha que dar tiro na cabeçinha. O Rio é violento porque sua policia é a mais violenta do Brasil, porque não investiga e prende, mas mata e tenta justificar. Foi no Rio que a vereadora Marielle Franco foi assassinada e o ministério público e sua polícia até hoje não levou os assassinos a julgamento. Foi no Rio que uma juíza Patrícia Acioli foi morta com 21 tiros pela própria polícia do Estado.
Em 2021, 1356 pessoas foram assassinadas por agentes do Estado do Rio de Janeiro. A policia do Rio de Janeiro é a mais letal do Brasil, mas o estado não está entre os 10 mais violentos. O governo Castro tem 3 das 5 chacinas mais letais da história do Rio de Janeiro, 28 pessoas foram mortas no Quilombo urbano do Jacarezinho. Em maio de 2022, 24 na Vila Cruzeiros.
Em julho de 2022, 17 no Complexo do Alemão. Em menos de dois anos de governo, o Governador Cláudio Castro faz coro com a falsa guerra às drogas, que não passa de guerra aos pobres, favelados e negros do estado. Esse é o motivo pelo qual resiste á ordem do STF de colocar câmeras nos uniformes para que os policiais assassinos possam ser responsabilizados na forma da lei.
No entanto, o poder vigente é muito mais generoso do que seus adversários no crime, pois não exigirão apenas a punição dos crimes cometidos contra eles. Por outro lado, defenderão que este incontornável ato de justiça sirva também para condenar o uso da violência como instrumento político, venha de onde vier; para banir a ideia de que existem “mortes boas” e “mortes más” conforme seja bom ou mau quem as provoca ou quem as sofre.
Em nota, a Secretaria de Polícia Militar admitiu que o homem “foi morto por conduzindo o que aparentava ser um fuzil, pendurado em uma bandoleira”. O comunicado diz ainda que “o comando da Corporação já instaurou um procedimento apuratório para averiguar as circunstâncias que vitimaram fatalmente um homem na comunidade”. Será apenas mais um número para a estatística de mortes violentas provocada por policiais, cujo procedimento não dará em julgamento e a impunidade de policiais será mais um estímulo para que continuem banalizando a vida de habitantes de favelas e periferias.
Se assim conseguirmos substituir aquele fanático “Viva a morte” com o qual Millán Astray reivindicou sua doutrina perversa por uma “Viva a vida” em resgate dos valores éticos sobre os quais esta Nação foi fundada, teremos que ser satisfeito.
Porque se é indesculpável admitir a necessidade e legitimidade da repressão das organizações policiais que utilizam a violência como instrumento de luta política, que na verdade é essa suposta “guerra às drogas”, para defender os valores da democracia e da segurança pública, direito do cidadão, também se deve admitir que quando essa repressão se traduz em adotando os mesmos métodos criminosos dessas organizações, renunciando à ética, nos encontramos diante de outro terrorismo; a do Estado, que reproduz em si os males que pretende combater.
Os bandidos sequestram, torturam e matam. E o que o Estado faz para combatê-los? Você já teve sua casa invadida sem mandado judicial? Você já teve seus bens furtados por policiais armados pelo Estado?
Sequestrando, torturando e matando em escala infinitamente maior e, o que é mais grave, fora da ordem legal por ele mesmo instalada, cujo quadro ele pretendia nos mostrar ultrapassado pelo sedicioso.
E daqui, juízes, derivaram consequências muito mais graves para o ordenamento jurídico.
Porque quantas das vítimas da repressão policial eram culpadas de atividades ilegais? Quantos inocentes? Nunca saberemos e não é culpa das vítimas. O fato é que depois de mortas são apresentadas como criminosas sem os respectivos documentos que comprovem essa afirmativa dos policiais e da mídia.
Não se pode admitir que um governador eleito em regime democrático afronte a lei e à ordem emanada do Supremo Tribunal Federal e defenda que seus policiais continuem agindo em desconformidade com os princípios éticos e matando indiscriminadamente aos invés de prender e levar a julgamento aqueles que afrontam as leis e à sociedade.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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