Por Pedro Augusto Pinho –

A Petrobrás deixou de ser empresa de petróleo e energia com a reforma demolidora de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1997 para ser apenas uma empresa de negócios. E, desde então, vendendo ativos e fazendo ruinosas parcerias, a Petrobrás vem se afastando dos objetivos para qual foi criada. Mais em um período, menos em outro, esta situação não foi revertida, mas foi aprofundada após o golpe de 2016.

A descoberta do pré-sal, feito notável devido unicamente à competência da Petrobrás no segmento “upstream” (exploração e produção de óleo e gás), permitiu pequena trégua no desmonte, quando abria a possibilidade de reverter tudo de antinacional realizado por FHC. Porém são aguas passadas, o que fazer agora, neste terceiro Governo Lula, é que deve ser nossa preocupação e empenho.

A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), com a participação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e outras instituições e personalidades da sociedade civil, elaborou o conjunto de oito medidas, sem ordenação de precedência, que seriam necessárias para resgatar o papel que a Petrobrás já desempenhou para o povo brasileiro: atender o mercado de derivados de petróleo aos menores preços possíveis, desenvolver a tecnologia do petróleo aos melhores níveis internacionais, promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil coma máxima contribuição das empresas e das tecnologias brasileiras.

São elas:

1– Restauração do monopólio estatal do petróleo, exercido pela Petrobrás;

2– Reversão da privatização dos ativos da Petrobrás, destacando a BR Distribuidora, refinarias, malhas de gasodutos (NTS e TAG), distribuidoras de GLP e gás natural (Liquigás e Comgás), produção de fertilizantes nitrogenados (FAFENs), direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural e as participações na produção de petroquímicos e biocombustíveis;

3– Reestruturação da Petrobrás como Empresa Estatal de petróleo e energia, dando conta de sua gestão, com absoluta transparência, ao controle do povo brasileiro;

4– Alteração da política de preços da Petrobrás, com o fim do Preço Paritário de Importação (PPI), que foi estabelecido em outubro de 2016, e restauração do objetivo histórico de abastecer o mercado nacional de combustíveis aos menores preços possíveis;

5– Limitação da exportação de petróleo cru, com adoção de tributos que incentivem a agregação de valor e o uso do petróleo no país;

6– Recompra das ações da Petrobrás negociadas na bolsa de Nova Iorque (ADRs);

7– Desenvolvimento da política de conteúdo nacional e de substituição de importações para o setor de petróleo, gás natural e energias potencialmente renováveis;

8– Estabelecimento de um plano nacional de pesquisa e investimentos em energias potencialmente renováveis, sob a liderança da Petrobrás.

Neste artigo trataremos de dois itens, a nosso ver precedentes para a concretização dos demais. Apenas o primeiro e o quinto exigiriam ações junto aos poderes executivo e legislativo para suas consecuções, uma vez atingidos os dois a seguir detalhados.

O Primeiro é recuperar o interesse e a soberania nacional em sua direção, ou seja, ter novamente o controle da companhia pelo Estado e brasileiros nacionalistas e competentes em sua gestão, o que está hoje entregue às finanças apátridas. E para este intento não se exige lei nem decisão judicial, basta adotar a medida administrativa de recompra de ações.

RECOMPRAR AS AÇÕES EM MÃOS ESTRANGEIRAS

De acordo com informação no site da própria Petrobrás, de 31/12/2022, sua composição acionária está assim constituída:

1) Governo Federal, 3.740.470.811 ações, representando 28,67%;

2) BNDESPar, 900.210.496 ações, representado 6,90%;

3) BNDES, 135.248.258 ações, representando 1,04%;

4) FMP-FGTS Petrobrás, 170.486.020 ações, representando 1,31%.

O Caixa FMP-FGTS Petrobras é o fundo mútuo de privatização que aplica recursos do FGTS de seus investidores na aquisição de ações emitidas pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás). Ele está atualmente fechado para captação. Para realizar o resgate, o trabalhador formaliza seu pedido junto às Instituições Administradoras do FMP-FGTS, escolhidas para a aplicação, que são: BTG, Caixa Econômica Federal, Daycoval, Genial, Itaú e XP;

5) ADRs, adquiridas na Bolsa de Nova Iorque (ações ordinárias, ON, e preferenciais, PN), 2.719.780.254 ações, representando 20,85%;

6) B3 – Estrangeiros (Resolução n° 2.689 C.M.N), 3.320.159.198 ações, representando 25,45%;

7) Investidores Institucionais, 920.778.139 ações, representando 7,06%.

Investidores Institucionais são instituições que gerem o capital de terceiros, buscando aplicar estes recursos em aplicações financeiras lucrativas para seus cotistas. Entre essas instituições, estão: bancos, seguradoras, fundos de investimentos, fundos de pensão e family offices;

8) Varejo em geral, 1.137.068.085 ações, representando 8,72%.

Verifica-se, assim, que os estrangeiros já detêm 46,30% das ações da Empresa. Basta que eles estejam parcialmente entre os Investidores Institucionais ou adquiram ações no varejo, para completarem os 3,71% que lhes darão a participação de mais da metade do capital, ou seja, a propriedade formal da Petrobrás.

O Governo Brasileiro têm somente 36,61% das ações de sua maior empresa e da maior responsável pelo desenvolvimento econômico e social do País.
Desde outubro de 2022, as ADRs da Petrobrás na Bolsa de Nova Iorque (BNY) estão em queda. Na sexta-feira, 27/01/2023, a ADR estava, no fechamento, a US$ 11,29. Na Bolsa brasileira em São Paulo (Bovespa) as ações ordinárias (PETR3), as mais caras, custavam no fechamento em 27/01/2023, R$ 29,13, e as preferenciais (PETR4), R$ 25,77. O câmbio US$/R$, na mesma sexta feira, estava a R$ 5,10 por dólar estadunidense. Cada ADR equivale a duas ações na Bovespa.

O preço, considerando as ON, as mais caras, das ações da Petrobrás, em mãos estrangeiras, no dia 27/01/2023, sendo US$ 30.706.319.067,66 (BNY) mais US$ 37.927.936.250,09 (Bovespa), estava custando US$ 68.634.255.317,75.

O Banco Central informa que as reservas internacionais do Brasil em 31/12/2022 eram US$ 324,7 bilhões, o patamar mais baixo em 11 anos, devido às péssimas aplicações deste montante no exterior. E, considerando as expectativas mais otimistas, estas reservas estarão ainda menores ao final de 2023, pelas remunerações negativas que se esperam nas moedas e títulos referenciados em dólar estadunidense.

Assim, aplicar 21% das reservas brasileiras na compra das ações em mãos estrangeiras não só é a melhor aplicação financeira e econômica para este dinheiro da poupança brasileira, como representa a recuperação da soberania e da autonomia decisória na mais importante e maior empresa nacional.

Em mãos brasileiras, a Administração da Petrobrás poderá realizar o que é a segunda mais importante providência: reestruturar a Petrobrás para se ter, novamente, empresa de petróleo e energia, com as condições tecnológicas e políticas para o século XXI.

EMPRESA DE PETRÓLEO E ENERGIA PARA O SÉCULO XXI

A primeira estrutura organizacional da Petrobrás foi elaborada por Hélio Marcos Pena Beltrão, ministro nos governos Costa e Silva e João Figueiredo, que foi incumbido, em novembro de 1953, de a realizar. O trabalho, entregue em fevereiro de 1954, é uma primorosa análise dos modelos e tipos de organização, a relação entre empresa e Estado, e as diretrizes que nortearam o modelo apresentado. Resumidamente, a Petrobrás estava composta de uma Direção Colegiada, um conjunto de assessorias empresariais, outro conjunto para assessoria e coordenação das unidades operacionais, e as unidades operacionais representativas de órgãos regionais e especializados nas atividades próprias do petróleo.

O desenvolvimento da Petrobrás e da própria indústria do petróleo ensejaram alguns projetos, sendo o mais relevante aquele de criação de subsidiárias, mas o modelo de Hélio Beltrão, ajustado às condições tecnológicas e da expansão da Petrobrás, inclusive para o exterior, só veio a ser radicalmente alterado com a nova lei do petróleo, em 1997, que extinguiu o monopólio operacional da Petrobrás e a transformou em empresa de negócios.

Trataremos de organizar novamente para o Brasil a sua empresa de petróleo e energia.

Muito dos princípios utilizados por Hélio Beltrão ainda estão atuais e são usados por empresas em todo mundo. A mais importante diferença está no processo decisório.

O exemplo de maior sucesso neste milênio é encontrado na República Popular da China (RPCh): a participação e a descentralização. Este conjunto possibilitou inclusive a aceitação de empresas estrangeiras no processo de desenvolvimento chinês, sem que o País perdesse a soberania, o controle e a orientação desejada para os investimentos. Acresce uma constante ênfase de Beltrão: as decisões, sempre que possível, devem ser tomadas por que, em primeiro, arcará com suas consequências.

Nada há de aproveitável na atual estrutura organizacional e gerencial da Petrobrás pós 1997.

Vamos às propostas. Todo conjunto bem sucedido, quer Estatal quer privado, pode ser resumido em três grupos. O da Decisão Superior, estratégica, do negócio; o das Decisões Administrativas e Operacionais; e as Decisões sobre a Execução.

A Decisão Superior da Petrobrás deve estar entregue ao Conselho de Administração e à Diretoria Executiva. Os componentes do Conselho representarão os acionistas, considerada a compra pela União das ações em mãos estrangeiras, o Governo Brasileiro terá a maior parcela de Conselheiros, outro conjunto importante no Conselho são os membros da Diretoria que trazem as informações e análises técnicas das diversas áreas de atuação da Empresa, um terceiro grupo deve ser constituído pelos empregados, em número idêntico ao dos Diretores.

Consideremos então a composição da Diretoria Executiva por áreas de atuação: (a) Exploração e Produção, (b) Refino e Petroquímica, (c) Xisto, Minério e Fertilizantes, (d) Bioenergia, (e) Outras Fontes de Energia, (f) Transporte, (g) Comercialização, (h) Administração, (i) Informação, Pesquisa e Desenvolvimento, (j) Finanças e (k) Internacional. Logo tem-se que o Conselho de Administração deveria ser composto de 33 a 35 membros, o que, de certo modo, democratiza e dá transparência à Empresa.

O Presidente do Conselho também o será da Diretoria Executiva e ligados diretamente à Presidência estarão os órgãos normativos para toda Petrobrás, as Assessorias: de Comunicação Social, Jurídica, de Planejamento e Organização, de Recursos Humanos, e Ouvidoria.

Tomemos para exemplo a Diretoria de Exploração e Produção (E&P).

Além de um órgão central de planejamento, coordenação e controle, haverá órgãos operacionais permanentes e outros de duração definida.
A exploração é uma atividade permanente e se dá por todo território nacional. Pode-se, exemplificativamente, criar seis órgão, um central para as bacias marítimas de investigação em águas profundas e ultra profundas, outros para as bacias terrestres e costeiras: norte, nordeste, leste e centro-oeste, sul e sudeste. Divisão semelhante pode ser aplicada ao órgão de perfuração. Os órgãos de produção só existiriam onde há produção de petróleo, e os de duração determinada seriam os grupos executivos para desenvolvimento de campos, ou seja, entregar as descobertas aos órgãos de produção.
Em todos os órgãos haveria o Comitê Deliberativo, composto dos chefes, designados conforme as Normas da Empresa, e empregados eleitos pelos colegas, guardadas proporções para os níveis médio e superior, atividades administrativas e operacionais. Estes Comitês Deliberativos, além da participação nas decisões em geral, também discutiriam o aperfeiçoamento do quadro de pessoal, a necessidade de pessoal, aprovação dos orçamentos, e propostas para melhorar o desempenho do órgão. Muitas poderiam ser aprovadas no próprio órgão, outras seriam encaminhadas para os órgãos centrais e até a Diretoria e Conselho, a depender do assunto e dos valores envolvidos.

Teríamos, com esta organização, o que não só propunha Hélio Beltrão, como o que promoveu o salto da RPCh.

Este é um artigo e não um Manual de Organização, mas se pode observar que a Petrobrás estaria contribuindo, com seu conhecimento e recursos, para a evolução do fornecimento de energias ao Brasil, com a informática e as telecomunicações nacionais, com a descentralização de atividades, levando empresas, empregos e recursos para todas regiões do País. A transparência que esta estrutura participativa proporcionaria, certamente influenciaria outros órgãos públicos e empresas privadas, muito mais que “gerências de governança e conformidade”.

Tratamos de dois, dos oito itens enunciados como as propostas que a AEPET espera ver acolhidas pelo Governo Lula. Seria muito significativo e importante que outros colegas aprofundassem os demais itens e fizessem críticas a estes aqui tratados.

PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado, com 25 anos de trabalho na Petrobrás. Um cidadão nacionalista e patriota, diplomado e ex-professor na Escola Superior de Guerra.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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