Por Luiz Carlos Azedo

Talvez a grande dificuldade para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) operar a transição e a montagem do seu novo governo decorra do fato de que existe uma lógica subliminar nas suas atitudes que não tem viabilidade política: retomar o fio da história de onde sua passagem pela Presidência foi interrompida.

Essa foi a linha básica de sua campanha eleitoral, na qual explorou as realizações de seus dois exitosos mandatos como principal ativo eleitoral, ao mesmo tempo em que manteve distância regulamentar da questão ética e do fracasso político, econômico e administrativo de Dilma Rousseff, mascarado pelo discurso de que fora vítima de golpismo.

TUDO MUDOU – A ruptura entre os dois primeiros mandatos e o terceiro é uma necessidade histórica, porque existe um hiato de 12 anos entre ambos, no qual o mundo mudou e a realidade política e social do país também.

E ainda há o enorme desgaste causado pelos escândalos do mensalão e da Petrobras, embora esse tema seja como falar de corda em casa de enforcado nessa transição. Sua Fortuna, para usar o conceito clássico de Nicolau Maquiavel, não é a mesma de 2002.

Podemos elencar ao menos cinco grandes contingências para emoldurar as novas circunstâncias:

1) o cenário mundial alterou-se completamente, com o acirramento da disputa entre os Estados Unidos e a China, a guerra da Ucrânia, a pandemônio da covid-19 e a retração da economia global;

2) se esgotaram os efeitos do chamado bônus demográfico, ou seja, da redução de número de crianças e de idosos dependentes da renda da população adulta, que possibilitou rápida expansão do mercado;

3) a crise de financiamento da saúde, da educação e da segurança pública, entre outras políticas universalistas, se agravou em decorrência da baixa atividade econômica e do desmonte das políticas sociais por Bolsonaro;

4) um Congresso mais conservador, mais patrimonialista e mais fisiológico, que hoje controla e pulveriza os investimentos federais previstos no Orçamento da União; e

5) uma oposição radical e forte, que mantém o presidente Jair Bolsonaro como uma alternativa de poder em 2026.

FRENTE AMPLA? – Essas contingências já são suficientes para que o novo governo Lula seja muito diferente do anterior. O projeto Lula 2022, no primeiro turno, era de um governo de esquerda, amparado por uma frente popular, mesmo que esta se autodenomine “frente ampla”.

Esse projeto não vingou, não obteve a maioria dos votos na eleição. Isso ocorreu porque há uma contradição na construção da hegemonia de Lula: o PT manteve-se como a principal força no campo da oposição, mas perdeu a liderança moral da sociedade, que permanece em disputa por parte de Bolsonaro.

Perdeu por causa da Lava-Jato, que é um assunto jurídico transitado em julgado, mas continua sendo a representação da questão ética para a sociedade.

GOVERNO DE COALIZÃO – Como uma porcelana quebrada, que precisa ser restaurada com liga de ouro para continuar sendo um objeto de valor, o PT precisa fazer seu aggiornamento. Nunca assumiu a responsabilidade coletiva pelos escândalos que foram protagonizados por seus quadros principais. Lula sempre se declarou inocente e jamais exigiu uma mea culpa de seu partido.

A bandeira da ética manteve-se nas mãos de Bolsonaro e seus aliados, sendo esgrimida como aríete contra os resultados da eleição e futuro governo. Essa força de oposição não pode ser subestimada. Lula e os partidos de esquerda não têm como derrotá-la, a não ser ampliando as alianças ao centro, como ficou demonstrado no segundo turno.

O problema é traduzir a ampliação dessas alianças, com a plena incorporação do centro ao novo governo, um xadrez político que mal começou. Nele, o vice-presidente Geraldo Alckmin tem mais experiência do que os dirigentes petistas que formam o estado-maior de Lula: a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, o ex-senador Aloizio Mercadante, o ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, o senador eleito Wellington Dias e o deputado José Guimarães.

NÃO É POR AÍ – Na verdade, a política petista tem como espelhos na América Latina o peronismo, por causa da tradição sindical, e a Frente Ampla do Uruguai, um bloco de centro-esquerda construído na resistência à ditadura. Não é por aí. Talvez a melhor experiência de alianças e de governo que podem servir de paradigma para o governo Lula seja a “Concertacion” chilena.

A chave é compartilhar o poder com os aliados, sem o hegemonismo que está impregnado no PT e transpira por todos os poros da equipe de transição. O PT e demais partidos de esquerda passam a impressão de que pretendem “aparelhar” todos os ministérios, o que faria dos aliados de centro figuras decorativas na Esplanada.

Um governo de ampla coalizão democrática exige mais do que isso, em termos de compartilhamento de poder, além de um programa tático, mirando os próximos dois anos, o que significa uma política econômica menos ao gosto da esquerda e mais palatável para os liberais.

LUIZ CARLOS AZEDO é colunista no Correio Braziliense e Estado de Minas

Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO


Tribuna recomenda!