Por Luiz Carlos Prestes Filho –
Especialista em inflação, o economista Paulo Brück, afirma, em entrevista exclusiva para a Tribuna da Imprensa Livre, que em períodos de crises nacionais ou mundiais o Estado sempre toma a dianteira da situação. Por isso, as contas governamentais devem sempre estar equilibradas, organizadas e sendo seus recursos empregados nas maiores necessidades da população. Seja na Alemanha, nos EUA, na China ou no Brasil, tudo que qualquer governo gasta, quem paga é a população. Tudo que o mercado gasta, quem paga é o consumidor através do preço.
Luiz Carlos Prestes Filho: A inflação brasileira, em tempos de pandemia, sofreu grandes alterações? Teve um comportamento adequado frente a crise global de saúde?
Paulo Brück: A inflação é um sintoma, e como ficou bem evidenciado nesta pandemia, não se trata os sintomas, mas dão o caminho para se tratar a doença. Então, como avaliar uma inflação de 0,10% em todo o primeiro semestre deste ano? Em 2018, foi de 2,60%, e em 2019, foi de 2,23%. O que se pode dizer é que a temperatura da atividade durante a pandemia ficou muito bem representativa da situação geral. Tudo parado! Ou seja, o nível geral de preços está praticamente igual a dezembro. E se considerarmos que diversos fatores atuaram sobre a economia nesse período: desvalorização do câmbio; queda das taxas de juros; aumento da dívida pública; restrição ao consumo; aumento do desemprego (mas não necessariamente redução considerável da renda agregada, principalmente das classes de menor renda); aumento do volume de crédito; produção de vários setores paralisada; aumento considerável dos gastos governamentais; safra gigantesca; balança comercial superavitária; ufa! Mas o PIB (Produto Interno Bruto) vai apresentar o sintoma mais fidedigno da situação da doença neste semestre (queda em dois dígitos agora e para todo o ano uns -6%), mas não será muito diferente do mundo todo, não que isso seja animador, mas pelo menos não representará uma situação destoante ou de um aspecto único e interno.
Prestes Filho: O neoliberalismo continua sendo a solução? Ele teve o desempenho esperado neste momento?
Paulo Brück: O que eu posso dizer é que em períodos de crises nacionais ou mundiais, sejam de cunho bélico, financeiro, humanitário ou sanitário, o Estado sempre toma a dianteira da situação. E é por isso, que as contas governamentais devem sempre estar equilibradas, organizadas e sendo seus recursos empregados nas maiores necessidades da população. Seja, na Alemanha, nos EUA, na China ou no Brasil. Tudo que qualquer governo gasta, quem paga é a população através dos tributos. Tudo que o mercado gasta, quem paga é o consumidor através do preço. Não tem mágica. Por isso, esperamos que os gastos sejam os mais honestos e necessários possíveis e os tributos e os preços os mais justos possíveis.
Prestes Filho: O Estado tem que ser pequeno como querem os neoliberais? O Estado ganhou fôlego e maior reconhecimento de sua importância com a Covid 19?
Paulo Brück: O Estado não tem que ser pequeno ou grande. O Estado tem que estar presente onde for necessário. No Brasil o que vemos é o Estado pequeno em alguns lugares e situações, e o Estado grande em outros. O Estado sempre tem que estar na dianteira em assuntos que afetem uma grande parte de sua população para minimizar as consequências sobre ela mesma. Foi isso que vimos acontecer. A importância do Estado só se faz mais importante quando o assunto importa. Em Brumadinho, foi o Estado que falhou em fiscalizar através do Executivo, mas também foi quem ficou na lama com os Bombeiros; é o Estado que está procurando com o Judiciário remover a “lama” injusta sobre a população daquelas localidades; e é o Estado, através do Legislativo, que deve prever e evitar novas “lamas”. Entretanto, foi a sociedade, a população, quem sofreu com a falha do Estado e do Mercado, e espera que o Estado e o Mercado a reconstrua moral e fisicamente. O Estado, no Brasil, apresentou-se para este evento com seus problemas estruturais e “históricos”. O Estado efetuou gastos e realizou investimentos, muitos necessários e outros nem tanto, mas não se enganem, eles serão pagos por todos em algum tempo, seja pelos tributos e/ou pela depreciação nos serviços fornecidos pelo Estado.
Prestes Filho: Vamos assistir a um avanço da privatização de empresas públicas?
Paulo Brück: A privatização está mais ligada aos gastos públicos e a dívida pública, e suas consequentes necessidades de financia-los. O descontrole dos gastos ou da dívida canaliza recursos que poderiam ser utilizados em outras áreas, principalmente, em investimentos em infraestruturas, tecnologia e/ou em redução da carga tributária que poderiam reduzir o chamado “Custo Brasil” ou aumentar a produtividade e, com isso, tornar as “coisas” (ou tudo) mais baratas. Quando o Estado precisa de mais dinheiro (ou monopoliza a necessidade de dinheiro) para se “sustentar”, o dinheiro fica mais caro, consequentemente, as “coisas” (ou tudo) também ficam mais caros. A privatização é uma fonte de recursos que não aumenta a carga tributária e que, sendo bem utilizada, pode reduzir os malefícios que o aumento das alternativas pode causar.
Prestes Filho: Quais são as projeções para os próximos anos no campo da inflação?
Paulo Brück: Este ano, embora ainda haja algumas variáveis que podem pressionar a inflação, tais como a retomada da atividade mais acelerada do que as previsões (gerando falta de alguns insumos ou produtos); e efeitos climáticos sobre a produção agrícola, como pode ser visto no gráfico abaixo, está muito tranquila em relação a meta estabelecida. Hoje, a inflação dos últimos 12 meses está em 2,18%, e no fim do ano, estimamos que não deva ficar muito longe disso. Caso consideremos que estamos “vivendo” uma anomalia este ano, podemos considerar que para o ano que vem tenhamos um comportamento mais próximo dos apresentados nos dois últimos anos, caso não haja nenhum efeito inesperado. O único fator que diferenciará o ano que vem, dos dois últimos anos, será o nível do endividamento do Estado, que por causa da pandemia, será elevado, bem acima do que era previsto no final do ano passado, assim como a necessidade de seu financiamento. Por isso se fará muito necessário que o “Bolo Cresça” de forma mais consistente que nos últimos anos, para que a arrecadação faça frente a esta nova realidade orçamentária.
Prestes Filho: O Brasil industrial vai avançar ou o Brasil de serviços?
Paulo Brück: Os serviços foram os grandes impactados pela pandemia. Alguns setores da indústria também. A indústria tem mais chances de retomada em um tempo mais curto, mas em uma velocidade mais lenta. Já os serviços que levarão mais tempo para voltarem as atividades, retomarão com mais rapidez (as aglomerações nos bares e “festas” estão dando a direção). A indústria dependerá mais de investimentos que reduzam o “Custo Brasil”, melhore a tecnologia, o ambiente de negócios e o custo do dinheiro, do que os serviços. Os serviços dependerão mais do nível de renda e das condições sociais, algo mais provável que aconteça em um espaço de tempo mais curto. Neste cenário, os projetos sobre a privatização dos jogos, comentada até naquela “famigerada” reunião de 22 de abril, poderá ser um ponto de torque para os serviços canalizarem investimentos que poderão acelerar a retomada em um novo patamar de atividade.
Prestes Filho: O Brasil do agronegócio vai continuar liderando os números da nossa balança comercial?
Paulo Brück: Por um longo tempo, esta será a nossa salvação na entrada de recursos estrangeiros. Mesmo que não haja aumento na área cultivada. A nossa tecnologia e produtividade são incomparáveis, assim como as perdas pela infraestrutura ineficiente, mas nossa competitividade precisará e necessitará de investimentos na infraestrutura e na imagem (com ações efetivas e não meramente “cosméticas” ou de oratória) sobre a preservação ambiental. Com tais investimentos em infraestrutura nem será necessário aumentar a área cultivada por alguns anos, até a demanda mundial pressionar novamente o aumento da produção.
Prestes Filho: O Ministério da Fazenda tem acertado nas projeções? Quais foram os resultados mais relevantes?
Paulo Brück: De um modo geral, podemos dizer que estão acertando a direção. Cautelosos, ou como poderia dizer, Conservadores em um governo “Conservador”. O nível da Taxa Selic sustenta tal ponto de vista. Entretanto, acertou no tempo da Reforma e realizá-la no ano passado (imagina este ano com a pandemia…) e na concessão do Auxílio Emergencial – mesmo com as críticas pontuais que se possa fazer, aqui ou ali, não são em quatro meses que se faz um cadastro de mais de 55 milhões de pessoas e rode “redondinho”; o Bolsa Família está há anos, não chegava a 1/5 disso em 2019, e continuava com problemas “cadastrais”). Por outro lado, a falta de uma visão mais realista dos micro e pequenos empreendimentos, está deixando a desejar para que o dinheiro chegue “na ponta”, entretanto, pelo ponto de vista da atividade, pode ser que esse dinheiro seja mais útil para as empresas agora, com a retomada das atividades, do que no início do distanciamento social e fechamento das atividades. O mais interessante de toda essa situação no campo econômico é que muitas afirmações sobre inflação estão caindo por terra, pelo menos até agora. Há anos ouvia disserem que salário ou dinheiro na mão do povo causava inflação (nos anos 80, foi um mantra); juros baixo incentiva consumo e gerava inflação; dólar alto inibia importações e encarecia os produtos nacionais e gerava inflação; que os preços na internet eram mais baratos e oscilavam menos que nas lojas físicas (o IBGE desde março coleta os preços de seus índices, na internet); que aumentar os gastos públicos gerava inflação… Entretanto, neste último caso, só saberemos no ano que vem.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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