Por Lincoln Penna

O principal obstáculo ao desenvolvimento interno – a grande propriedade agrária – não poderá resistir ainda longo tempo. (…) Restará a ambição dos Estados Unidos de “controlar” a evolução do Brasil. Mas ao ver um pequeno país – o Vietnam – ainda que com ajuda externa, tenha sido capaz de superação, pergunta-se por que os brasileiros – a menos que a ambição que eles proclamam não seja senão meras palavras – não se assenhorarão de seu destino…

(do Geógrafo Jacques Arnault, “Brésil” in Journal de Voyage em Amérique Latine. Éditions Sociales, Paris, 1969).

É significativa nesse depoimento colhido ao longo de sua estada no Brasil, em especial, a existência de uma atmosfera de esperança, mesmo sob o tacão do regime ditatorial de então implantado pelos golpistas internos e externos, não esmoreceu o desejo dessas forças sociais representativas do povo brasileiro de permanecerem na luta pelas grandes transformações, embora imediatamente voltadas para a retomada das liberdades democráticas, tão logo ocorreu o golpe. A referência às esperanças é o dado que chamara a atenção do autor da citação, e deu vida a essa publicação, ao que parece não traduzida para a língua portuguesa, infelizmente.

Daí, a ideia da comparação com os nossos tempos vividos atualmente, cujo cenário distingue-se bastante passados cerca de sessenta anos. Há explicações para essa aparente perda de esperanças. Digo aparente porque não se pode generalizar sentimentos dessa natureza. Elas, as esperanças, decorrem, em parte, das condições de vida das pessoas. Neste caso, existem os que como diria Darcy Ribeiro se situam na tribo dos resignados ou daquela turma dos que se locupletam às custas da desigualdade social que se acentua de tempos em tempos; e, os que compõem a tribo dos indignados, cujas esperanças permanecem vivas, apesar de tudo.

As considerações finais de Arnault ao se referir aos obstáculos que entravam o nosso desenvolvimento a rigor são atualíssimas. Afinal, a grande propriedade agrária, destacadamente o latifúndio a conviver com estruturas mais modernizantes permanece como obstáculo a uma reforma agrária radical, a que sociize o acesso às terras inaproveitadas e mantidas como reserva de mercado, de modo a erradicar os contingentes constituidos de boias-frias explorados como força de trabalho. Esta é a única maneira de intervir nessa realidade imutável do campo brasileiro. Como, da mesma maneira, a presença controladora – para usar o verbo sob aspas usado pelo autor em tela – e mais precisamente a influência demoníaca na região, senão impede objetivamente a tenra soberania nacional desses povos as dificulta pelas vias nem sempre transparentes. É o caso do emprego das guerras híbridas que se tornaram mecanismos evidentes da nova faceta do imperialismo do século XXI. Essa nova forma de intervenção do grande capital dispensa os recursos que usualmente eram empregados, como a destituição via operações golpistas, e passam a adotar os meios midiaticos para alcançar os seus fins.

Diante desse quadro cabem algumas questões preliminares, que julgo necessárias para que passemos a limpo a nossa história e busquemos, com isso, virar a página de dependência crônica, tanto em relação às forças retrógradas internas quanto as que continuam a exercer um monitoramento externo, através da internalização pelas vias econômicas e financeiras.

Vias essas que foram acrescidas pelos expedientes decorrentes de mecanismos extralegais de interferências sobejamente conhecidos graças à denúncia do jornalista e ativista Julian Paul Assange, que criou o WikiLeaks. No momento, ele permanece detido sob custódia da Polícia metropolitana de Londres, preso que fora desde abril de 2019, e tem recebido manifestações acaloradas de inúmeras organizações de direitos humanos e movimentos sociais, inclusive pronunciamentos como o do presidente Lula conclamando a categoria do jornalismo, principalmente de cunho investigativo a se manifestar também pela sua soltura, caso, por sinal, raro entre os chefes de Estado.

Dia 11 de abril de 2019 o presidente do Equador, Lenin Moreno, acabou com o asilo político dado a Julian Assange. O fundador do WikiLeaks, sítio que publica documentos confidenciais, foi arrastado para fora da embaixada equatoriana na Inglaterra, onde residia desde 2012, e preso pelas autoridades britânicas. (Reprodução)

Contra a perpetuação dessa situação estruturalmente não superada e os seus desdobramentos, só existe uma saída: a resistência baseada em ações de insurgência, isto é, de demonstração de repúdio a um continuísmo que pode nos levar a uma escalada violenta e sem volta, dada a precariedade de uma democracia social inexistente ainda e frágil do ponto de vista institucional. É preciso que a indignação brote dos corações e mentes dos segmentos sociais mais lúcidos e combativos para que esse processo de socialização referente à situação em que nos encontremos tenha eco junto às camadas mais vulneráveis e subalternas de uma sociedade esgarçada e entregue a própria sorte.

Insurgência é o termo por mim utilizado, mas se o leitor quiser ou tiver alguma dúvida a respeito que se designe tal atitude de revolução social, aquela que não é necessariamente um convite imediato à tomada do poder, tal como as operadas pelas revoluções clássicas do século XX, mas pela gradual elevação das consciências coletivas instadas a reagirem em face de suas agravadas necessidades existenciais.

De pronto, o que importa é debater o significado dessa revolução social, o seu alcance e os métodos ou procedimentos a serem adotados para dar sentido, alcance e viabilidade a sua execução. Longe de ser uma opção derivada de frustrações acumuladas trata-se de uma imposição movida pela dignidade que nos resta como povo. O sofrimento quando chega às raias do insuportável exige que reajamos porque a adversidade não pode ser uma sentença a ser cumprida.

Na condição de país autônomo que ainda carece de uma verdadeira independência, só existente formalmente, muito embora suficiente para consolidar a soberania, razão maior de uma nação que fortaleça sua autoestima, há que pontuar em nosso balanço alguns avanços que não podem ser ignorados, sobretudo a partir da década de 1930, porém muitas das conquistas alcançadas se perderam por conta de retrocessos políticos deliberados.

Darcy Ribeiro: 100 anos do educador que defendia o EaD

Todavia, no que concerne à questão social as condições de vida das grandes massas das cidades e do campo não se alteraram substancialmente, razão pela qual é de absoluta e imperiosa necessidade que se busque o resgate do mínimo desfrutado de dignidade, hoje em dia assoreada pela mais perversa política de desprezo em face, sobretudo, dos trabalhadores assalariados. E antes que o desespero pela inércia ou decisões vacilantes de nossos governantes, mesmo os bem-intencionados, pensemos saídas que impeçam os altos custos sociais de confrontos violentos que só favorecem os que detém o poder das armas.

As iniciativas voluntaristas não resultaram no passado senão no reconhecimento do vigor e determinação de verdadeiros patriotas. Hoje é indispensável que tenhamos mais conhecimento da realidade, tirocínio e sapiência, para que se possa empreender um processo transformador de que precisamos. E que ele seja densamente massivo, isto é, contando com amplos segmentos sociais, e por isso mesmo democrático. Eis o que me parece estar na nossa ordem do dia.

E essa situação na qual nos encontramos requer a combinação da teoria com a prática, isto é, conhecer a realidade e suas múltiplas contradições e operar mediante iniciativas que venham em curto espaço de tempo pôr em execução a tão esperada e necessária revolução social. Da mesma forma que o poder precisa se valer de uma ideologia, as utopias como um vir-a-ser que dão lugar às revoluções precisam de uma convicção que se traduza em iniciativas operacionais coerentes com os fundamentos que orientem essas ações, de modo a produzir um sentimento coletivo voltado para as mudanças estruturais.

Com isso, já estaremos ingressando no limiar dos processos revolucionários.

AgroBrasilia

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!