Por Kakay

“É uma estrada por onde não se vai nem se volta. Uma estrada feita apenas para desaparecermos.” Mia Couto, poema “Estrada de terra, na minha terra”.

Eu venho da área rural. Nasci e fui criado na roça. Caipira mesmo, não produtor em grande escala. Mas tenho grandes amigos e clientes que vivem do campo. Durante os governos Lula, ouvia deles que a situação estava ótima e que nunca haviam sido tão contemplados com uma política como a que era implementada. Claro que sempre haverá reclamações, aqui e acolá, mas a regra era uma consciência dos acertos daquelas gestões.

Com o governo Bolsonaro, que tratou de liquidar a segurança e as estratégias em praticamente todas as áreas – cultura, educação, saúde, segurança, rural -, pudemos observar um enorme apoio de parte expressiva do agronegócio à figura escatológica do ex-Presidente. Porém, para muitos dos produtores com quem me relaciono, é impossível citar políticas reais de incentivo que justificariam esse suporte massivo. Essa é uma questão que merece reflexão pela sociedade e pelo governo.

Ouvi, de mais de um ruralista, uma análise preocupante: o que Bolsonaro fez foi eliminar qualquer política de proteção aos trabalhadores, à natureza, aos rios e ao campo. A promessa de “passar a boiada”, feita pelo ex-ministro Salles, foi a estratégia que encantou parte dos empresários que se sentiram à vontade para saquear o Estado. É importante observar o número crescente de situações análogas à de trabalho escravo que começa a ser desvendado a cada dia no atual governo.

Salles, Bolsonaro e Araújo (crédito: Marcos Corrêa/PR)

Com o relaxamento das políticas de regulamentação daqueles setores, que contou com o apoio do fascismo, a barbárie tomou conta. Em relação aos três primeiros meses de 2022, houve um aumento de 124% de denúncias sobre trabalho escravo. Entre janeiro e 20 de março de 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 918 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão. Se somarmos até os dias atuais, foram salvas mais de 1.200 pessoas só em 2023. Sem sombra de dúvidas, a fragilização das leis trabalhistas é uma das causas desse aumento. Além da política bolsonarista de “passar a boiada” para permitir a ocupação sem nenhum critério.

E não podemos desconsiderar que as próximas etapas da Operação que investiga o golpe de Estado frustrado de 8 de janeiro, devem chegar aos financiadores do fascismo. E, quase certamente, uma parcela, ainda que ínfima, do agronegócio estará contemplada com a força da lei para preservarmos o Estado democrático de direito. É um erro enorme generalizar, pois a maioria esmagadora dos produtores – pequeno, médio ou grande porte – é séria e faz do Brasil uma potência mundial. Mas parte dos representantes do “agrofascismo” sentiu-se poderosa com a ultra direita no Poder. E patrocinou a violência sob todas as formas, se lambuzou de atrasos que expuseram o Brasil na comunidade internacional.

É chegado o momento de colher os frutos de uma investigação séria e que salvou o país de uma Ditadura. Quem é do campo sabe que tem a hora de adubar, a de plantar e a de colher. Não se pode precipitar, mas também não se deve deixar passar o período certo. Com a tecnologia, hoje é possível ajudar e até mudar as intempéries do tempo e do clima. Mas estar de acordo com os ares democráticos e não lutar contra a natureza faz daquele que vive do agro, grande ou pequeno, um sujeito da história, e não um objeto da discórdia e do autoritarismo.

Lembrando-nos do imortal João Cabral de Melo Neto, em “Morte e Vida Severina”:

“E se somos Severino iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).”

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.

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