Redação

Relatório (Parte II).

MISSÃO À NOVA MUTUM, PORTO VELHO, RONDÔNIA, COM O OBJETIVO DE AVALIAR AS CONDIÇÕES DOS CAMPONESES DAS ÁREAS TIAGO CAMPIN DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA DA LIGA DOS CAMPONESES POBRES – 25 A 27 DE OUTUBRO DE 2021.

Leia também: Tribuna da Imprensa Livre passa a narrar os abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia

4.2 Área Ademar Ferreira

A Fazenda Santa Carmen, desmembrada da Fazenda NorBrasil, trata-se de um imóvel utilizado pela Família Leite, que foi ocupado em março de 2021 por famílias camponesas em busca de acesso à terra para viverem com dignidade. As famílias já estavam em seus lotes e organizavam a produção quando sofreram um ataque violento promovido pelas forças militares, principalmente pelo BOPE, comandado pelo Capitão da Polícia Militar Felipe Hemerson Pereira.

No dia 13 de agosto, por volta de 07 horas da manhã, um jovem foi abordado por policiais que estavam agachados e deitados no chão, em meio à mata. Foi espancado e torturado para que fornecesse informações sobre a Área. Foi conduzido e levado para a delegacia de Nova Mutum Paraná, onde teria assinado um Termo Circunstanciado e liberado, sem a realização de exame de corpo de delito.

De acordo com as famílias, ainda pela manhã do dia 13, em torno de 10 horas, o senhor Amarildo Aparecido Rodrigues e seu filho, o jovem Amaral José Stoco Rodrigues, foram alvejados com tiros efetuados por policiais armados com fuzis, enquanto trabalhavam com suas foices em seu lote, realizando roçada. Segundo relatos dos camponeses e familiares, os policiais do BOPE não estavam em patrulha com suas viaturas, entraram a pé pela mata, com roupas verdes camufladas, capuzes camuflados, agachados e rastejando com seus fuzis nas mãos: “Entraram para matar!”. Amarildo foi executado e morto com tiros nas costas, enquanto, que, seu filho, Amaral, fora atingido por vários disparos no peito. Ambos enquanto trabalhavam tiveram suas vidas covardemente ceifadas pela polícia de Rondônia.

Para causar mais terror, prenderam uma família inteira, incluindo duas crianças, uma de um ano e outra de oito (com deficiência física e mental). Este mesmo operativo do BOPE, a poucos metros dali, executou o jovem Kevin Fernando Holanda de Souza, que passava de moto, viu os policiais, se assustou e, ao tentar correr, foi assassinado com mais de 30 tiros de fuzil pelas costas. Disponível no sitio: https://www.adufop.org.br/post/camponeses-s%C3%A3o-assassinados-em-a%C3%A7%C3%A3o-policial-em-%C3%A1rea-rural-de-rond%C3%B4nia (acesso em 10/11/2021).

Um outro camponês detido junto com sua esposa, teve seu veículo, um Fiat Strada, alvejado várias vezes no para-brisa dianteiro, também com disparos de fuzis realizado pelo BOPE. A PM diz, em sua versão publicada no site da PMRO, que avistou o veículo vindo de frente e em direção ao BOPE. Os projéteis passaram entre a cabeça deste trabalhador e de sua esposa que estava no banco do carona. Ele parou o veículo na frente dos policiais. As marcas de queimaduras e estilhaços ficaram em seus ombros, não sendo assassinados também por muito pouco.

Também prenderam um idoso, que correu para o mato para não ser atingido pelos disparos, mas ao retornar para a estrada foi abordado e preso. Muitas pessoas disseram que correram para a mata, sob tiros de fuzil efetuados pelas equipes de policiais em solo, além do helicóptero do NOA – Núcleo de Operações Aéreas da SESDEC de Rondônia que, em baixa altitude, disparava contra o povo que corria para se abrigar na mata. Muitas pessoas ficaram vários dias na mata, aterrorizadas.

Um dos moradores relatou: “Estava na cozinha da Área Ademar e vi dois homens com roupa do Exército se aproximarem. Vi um helicóptero se aproximar da região. Vi uma das pessoas (PM) dentro do barraco de outro camponês. Escutei crianças gritando e barulho de armas de calibre menor. Fiquei escondido na mata e ouvi barulhos de barracos pegando fogo”. O barulho de fogo escutado pelo camponês era a cozinha coletiva, assim como sua moto, fato que ficou sabendo mais tarde. Diversos relatos foram colhidos pela ABRAPO e pela imprensa em visita à área (https://anovademocracia.com.br/noticias/16368-inedito-relatos-de-camponeses-expressam-horrores-vividos-durante-chacina-em-rondonia).

Há relatos de que policiais ainda incendiaram carros e motos, vários barracos inteiros, com roupas, colchões, comida, panelas, ferramentas de trabalho e demais pertences das famílias.

Os 5 camponeses presos foram libertados no dia seguinte. Sendo todos réus primários e com bons antecedentes, responderam por “esbulho possessório”, por tentar conseguir um pedaço de terra para trabalhar. Um deles ainda foi acusado de estar armado com um revólver e teve de pagar fiança.

Após a chacina realizada no dia 13 de agosto pela Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) e pela Polícia Militar (PM) de Rondônia (onde foram assassinados os camponeses Amarildo, Amaral e Kevin, moradores da área Ademar Ferreira, em Nova Mutum Paraná, área rural de Porto Velho), uma série de versões contraditórias foram propagadas pela PM-RO. No dia 15/08, a página oficial da PM publicou uma matéria intitulada “Operação da PM-RO na área da Fazenda Santa Carmem prende invasores e apreende farta munição e armas”, onde reproduzem o Boletim de Ocorrência (BO) redigido pelos policiais. O fato informado é que a Força Nacional havia participado da chacina. Pouco tempo depois afirmaram que a Força Nacional negou a participação e logo a matéria saiu do ar.

As famílias testemunharam a participação das tropas da Força Nacional, não só no dia dos assassinatos, como também nas incursões ocorridas semanas antes.

As famílias da área Ademar Ferreira, há várias semanas, vinham denunciando, por meio de Notas da Liga dos Camponeses Pobres – LCP, que estavam sofrendo sucessivas investidas de policiais da FNSP e da PMRO, junto com pistoleiros da Fazenda Santa Carmem, inclusive, com disparos efetuados contra trabalhadores e famílias que transitavam pelas estradas. Essa operação é mais um crime de Estado, para, ao arrepio da lei, tentar causar terror e pânico contra os pobres do campo.

Na ocasião o CEBRASPO e a ABRAPO publicaram nota denunciando o estado de Rondônia, que tem cometido todo tipo de ilegalidades e montado verdadeiras operações de guerra contra os camponeses pobres que lutam pelo direito a um pedaço de chão para trabalhar e viver com suas famílias dignamente, especialmente nesse momento no governo do Presidente Bolsonaro e do governador Marcos Rocha e sua polícia, sob as ordens de Hélio Pachá, hoje promovido a coronel, responsável pelo assassinato e tortura de dezenas de camponeses na Batalha Camponesa de Santa Elina, ocorrida há 26 anos, em Corumbiara, no dia 9 de agosto de 1995.

(https://drive.google.com/file/d/15DH7s2ShveehDGTYY62tdsZWiV92PC8J/view).

Nos dias 2 e 3 de setembro, policiais da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) de Bolsonaro e seu governo de generais, da Polícia Militar (PM) do coronel Marcos Rocha, governador de Rondônia, invadiram a área Ademar Ferreira, em Nova Mutum Paraná.

Empunhados com fuzis, os militares percorreram todas as linhas, insultando e ameaçando homens, mulheres e crianças.

Os camponeses relatam que ao menos 14 viaturas invadiram a área enquanto um helicóptero também sobrevoava o local. Casas foram incendiadas, pertences das famílias destruídos e motocicletas apreendidas, fato que os trabalhadores caracterizaram como “roubo a mão armada”. Desde o ataque e apreensões, as mesmas motocicletas passaram a ser usadas por pistoleiros em fazendas da região.

Temendo pela vida, muitos trabalhadores corriam e se escondiam nas matas ao receberem a ordem de parar sob disparos dos policiais. Novamente vários camponeses, entre eles mulheres e crianças de colo passaram a noite na floresta para sobreviver.

Ao menos seis adultos e seis crianças foram presos pelos policiais, porém nem chegaram a ir até uma delegacia, foram jogados em meio às ruas em Porto Velho/RO. De acordo com denúncias, os policiais jogaram óleo diesel e sabão em pó nos poços d’água visando dificultar o retorno das famílias aos lotes. Outras substâncias tóxicas foram despejadas nos poços (que pode inclusive ter contaminado lençóis freáticos). Ambos ataques foram divulgados e denunciados e pedido providências ao CNDH e CEDH.

Após a chacina e outros ataques ocorridos na Área Ademar Ferreira, sem ter para onde ir, buscaram abrigo na Área Tiago Campin dos Santos. São dezenas de famílias violentadas, que carregam consigo todo o terror vivido durante as Operações Policiais na área e da ação da pistolagem.

Em Rondônia, também não é novidade o fato de policiais e membros das forças de segurança do Estado e mesmo a Polícia Militar, com viaturas e fardas oficiais, atuarem como pistoleiros, a soldo dos latifundiários. O exemplo mais recente foram os policiais militares e o “guaxeba” presos por denúncia realizada pelo Ministério Público de Rondônia, em março de 2021, fazendo serviço de pistolagem na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Chupinguaia, contra os camponeses do Acampamento Manoel Ribeiro. (disponível em:

https://www.folhadosulonline.com.br/noticias/detalhe/2021/tres-pms-sao-detidos-em-chupinguaia-acusados-atuar-como-jaguncos-fazenda-esposa-gerente-esta-na-unispe em https://anovademocracia.com.br/noticias/15460-ro-policiais-militares-guaxebas-que-aterrorizavam-camponeses-sao-presos-em-operacao. Acesso em 10 de novembro de 2021).

Este acampamento também sofreu grandes ataques com meses de cerco policial, que culminou em prisão de 4 jovens, entre eles uma estudante da Universidade Federal de Rondônia que estava na área prestando solidariedade sanitária. Os 4 jovens continuam presos, mesmo com apresentação de provas materiais que os inocentam dos crimes pelos quais foram acusados.

São presos políticos que se encontram encarcerados numa clara manifestação de criminalização do movimento camponês e da luta pela terra, por setores do judiciário rondoniense. Mais de 500 entidades democráticas e defensores dos direitos do povo assinaram manifesto em defesa do acampamento Manoel Ribeiro e da Liga dos Camponeses Pobres e pela liberdade imediata desses camponeses presos

(https://cebraspo.blogspot.com/2021/05/dezenas-de-entidades-democraticas-e.html).

Após diversas perseguições, queimas das casas, ataques noturnos efetuados pela PMRO e Força Nacional, as famílias da Área Ademar deslocaram-se para a Área Tiago Campin dos Santos.

Vídeo do Ato de lançamento do Relatório (fonte: AND)


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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.