Por Lincoln Penna

Ivan Maisky, diplomata e historiador soviético (1884-1975), escreveu um livro cujo título é “Quem ajudou a Hitler”. Publicado pela Civilização Brasileira no ano de 1966. Nele, o autor descreve as nervosas e difíceis decisões que acabaram por juntar os três líderes mundiais num esforço para conter a ofensiva hitlerista na Europa.

Havia nesse momento de fortes suspeições o perigo desse esforço não redundar em nada. Na Inglaterra Winston Churchill, conservador e notório anticomunista sustentava, para a surpresa de muitos de seus conterrâneos, a aliança com os soviéticos, pois considerava que o inimigo principal naquele momento era a Alemanha nazista. A Guerra atingira um estágio crucial e essa alternativa se impôs aos Aliados.

Mas a decisão do então primeiro-ministro inglês sofreu muita resistência interna e externamente. Stálin não alcançara a condição de estadista até firmar os acordos de mútua ajuda com ingleses e americanos. Sua imagem pouco favorecia, não obstante a capacidade de mobilizar seu povo para a resistência e o enfrentamento diante da escalada militarizada do exército alemão em território russo.

Como diplomata e conhecedor do que se passava na política britânica, Maiski acompanhava os debates a envolver a avaliação de Churchill, e sua disposição de ir ao encontro do líder máximo da URSS, que juntamente com Franklin Roosevelt, presidente dos EUA, concertou as linhas mestras de uma unidade de ação conjunta de fundamental importância para a vitória e o fim do nazismo.

A Conferência de Yalta, na Criméia, foi realizada com a presença dos três grandes líderes e se realizou através de várias reuniões preparatórias até os acertos finais entre os dias 4 e 11 de fevereiro de 1945. O local desses encontros bem como a foto histórica com Stálin, Roosevelt e Churchill aconteceu no Palácio de Livadia, na estação balneária de Yalta, às margens do Mar Negro.

Passadas quase oito décadas e estamos diante de um mundo que registra uma preocupante tendência para as alternativas de vocação totalitária, antes denominada de onda conservadora, mas que tem atingido fortes inclinações para o apego ao fenômeno do fascismo de outro tipo. Digo fenômeno porque emprega métodos e práticas assemelhadas aos tempos dos regimes nazi-fascistas.

E o Brasil não está imune a essa tendência, depois da eleição de Jair Bolsonaro na presidência da República. A própria eleição de Donald Trump nos EUA, embora derrotado ao se candidatar à reeleição, é um indício de que a crise crônica do capitalismo sugere como costuma acontecer, o recurso a dotar o poder executivo de instrumentos que reforçam os seus aparelhos repressivos e ideológicos simultaneamente. Trata-se de um golpe de caráter intra estrutural.

Esse golpe mantém as instituições clássicas funcionando, não promove grandes formas costumeiras de interdição ou intervenção mediante o uso de forças militares, mas subtrai pouco a pouco as liberdades democráticas sob alegação de que é preciso estabelecer instrumentos mais eficazes de defesa do Estado. Tal procedimento se escora nas supostas ameaças ao que seus ideólogos dizem estar passando as sociedades sujeitas a ações das pautas do comunismo e dos agentes da corrupção.

A violação dos direitos humanos, sociais, trabalhistas e o aparato persecutório dos que livremente emitem opiniões sobre as iniciativas fascistizantes torna a real democracia, aquela que está sempre se reinventando, um caminho para as soluções antidemocráticas, razão pela qual, no caso brasileiro, o inimigo principal não são os que no passado adotaram medidas ou corroboraram com elas para cometimento de atos que as forças democráticas e populares julgaram com acerto condenáveis.

O inimigo principal é o bolsonarismo, governo e massa predisposta a dar-lhe apoio e sustentação em sua escalada visando a destruição dos espaços democráticos. Eleger esses algozes da democracia e das liberdades é o caminho de agora. Após sua remoção, como tenho insistido em meus comentários anteriores, aí sim é possível tratar as nossas diferenças, que não são poucas. Mas nos inspiremos nos grandes líderes do passado que lograrem impedir a colossal máquina montada na Alemanha para exterminar não apenas a democracia libertária dos povos, mas estes mesmos tidos e havidos como estorvos a serem eliminados, de acordo com a lógica perversa do nazismo e de seus comparsas.

Afinal, as alianças, tal como demonstrado no histórico encontro de Yalta, devem ser o encontro dos diferentes. Aliar-se com os mesmos, ainda que com pequenas discordâncias táticas ou pontuais, não caracteriza aliança no seu sentido maior da política. São quando muito exemplos de que é possível tolerar quem pertença ao mesmo campo de ideias.

É pouco para as tarefas que nos esperam.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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