Redação

O subprocurador aposentado Eugênio Aragão é uma das vozes mais autocríticas dentro do Ministério Público. Sua postura o fez colecionar desafetos na instituição por denunciar e condenar aquilo que julga serem arbitrariedades e benesses da categoria, além do corporativismo. Ministro da Justiça da ex-presidente Dilma Rousseff entre março e maio de 2016, Eugênio é também crítico da Operação Lava Jato, a qual acusa de extrapolar os limites legais com objetivos políticos, e opositor contumaz do presidente Jair Bolsonaro, a quem associa a práticas fascistas.

Para Eugênio, Bolsonaro tinha melhores opções do que indicar o também subprocurador Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Mas teria errado mais se tivesse escolhido alguém da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Embora não haja previsão legal para isso, todos os procuradores que assumiram desde 2003, primeiro ano do governo Lula, saíram da lista tríplice da ANPR.

“Existiam escolhas piores. Se fosse qualquer um da lista tríplice, seria a representação do corporativismo mais bruto do Ministério Público. Sob esse aspecto, Bolsonaro não se deixou levar pelo corporativismo. Todos apoiavam sem fazer autocrítica a Lava Jato e faziam parte do DNA corporativo do Ministério Público”, disse Eugênio ao Congresso em Foco.

Entre os cerca de dez nomes ventilados, o ex-ministro considera que Bolsonaro tinha, pela ordem, outras duas melhores opções: manter a procuradora-geral, Raquel Dodge, ou indicar o subprocurador José Bonifácio de Andrada, que foi vice-procurador-geral na gestão de Rodrigo Janot, outro desafeto de Aragão. “Bonifácio é uma pessoa extremamente dura, mas com discernimento enorme, que não deixaria abusos continuarem e, ao mesmo tempo, saberia controlar a Casa. O terceiro nome seria o próprio Aras”, considera. Raquel sai em litígio com o grupo da Lava Jato na PGR.

Sinais trocados – O ex-ministro elogia o currículo acadêmico do candidato a PGR. Os dois têm doutorado e são professores de Direito na Universidade de Brasília (UnB). Mas admite que está confuso em relação ao que esperar de Aras no cargo, cujo ingresso depende de aprovação no Senado.

“Por um lado, ele adota discurso que coincide 100% com o que penso. Em artigo no Estadão ele se posiciona contra a espetacularização da Lava Jato. Concordo! Por outro, critica a chamada ‘ideologia de gênero’ e é a favor da possibilidade de uma democracia militarizada”, pondera.

Eugênio acredita que um dos maiores desafios de Aras será conter os ânimos da cúpula mais corporativista da PGR. “Ele não é de confronto. Vamos ver como ele vai fazer o que prometeu ao presidente sem confronto.”

Bolsonarista marxista

Augusto Aras é personagem central de um artigo assinado por Eugênio Aragão em agosto. Sem citar o nome do colega, o ex-ministro demonstra perplexidade com o favoritismo do subprocurador “bolsonarista nato que era marxista convicto quando tentava o STF (Supremo Tribunal Federal) nos anos Dilma”. “Era de uma convicção marxista a enrubescer um György Lucacs”, escreveu, citando o filósofo e historiador húngaro, considerado um dos mais proeminentes intelectuais marxistas da era stalinista.

O ex-ministro também fez referência a um jantar promovido, em 2013, pelo colega à cúpula do PT. Desde que seu nome ganhou força, Augusto Aras virou alvo da guerrilha virtual bolsonarista por ter oferecido uma festa ao ex-deputado petista Emiliano José, seu amigo baiano, da qual participaram, entre outros, os também ex-deputados José Dirceu e José Genoino, condenados no mensalão.

A eventual proximidade de Aras com a esquerda também fez bolsonaristas tirarem do arquivo uma entrevista dada por Aras à Folha de S.Paulo em 2016. Na ocasião, ele manifestou várias posições que conflitavam com os defendidos por Bolsonaro e seu entorno ideológico. O baiano disse, na ocasião, que a direita radical se aproveitava de uma crescente “doutrina do medo” para fazer valer a opressão contra os mais pobres e a supressão de direitos e garantias sociais.

Aproximação

Nos últimos meses, porém, o subprocurador assumiu posições coincidentes com a do presidente. Uma proximidade que, segundo pessoas próximas a ele, começou em março, quando o Aras, na condição de coordenador da 3ª Câmara do MPF, que trata de matéria econômica, liberou a licitação do tramo central da Ferrovia Norte-Sul, que um mês antes recomendara suspender.

Ele assinou um protocolo de entendimento com o ministro da Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, que permitiu o avanço da subconcessão do trecho da ferrovia localizado entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP). Um mês depois lançou sua candidatura. Desde então passou a ter o apoio de Tarcísio, um dos ministros mais bem avaliados por Bolsonaro. Seu nome também ganhou força por meio do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), controverso ex-líder da bancada da bala no Congresso e coronel aposentado da Polícia Militar.

Aras também deu declarações contrárias à chamada ideologia de gênero, expressão usada sobretudo por religiosos e conservadores para se referir a um suposto projeto para destruir a família e a heterossexualidade. Ao confirmar a indicação do subprocurador durante um evento no Ministério da Agricultura, Bolsonaro disse que escolhera um nome que não se oporia ao agronegócio brasileiro.

Revolta

Sua indicação gerou revolta entre os três subprocuradores que constavam da lista tríplice da ANPR: Mario Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul. “Dia melancólico para o MPF. A indicação fora da lista do novo PGR representa um retrocesso de décadas para a instituição”, protestou pelo Twitter Bonsaglia assim que o nome de Aras foi confirmado por Bolsonaro.

A Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou uma nota em que manifesta sua mais “absoluta contrariedade”. Considerou a escolha de um nome fora de sua lista como “o maior retrocesso democrático e institucional do MPF em 20 anos”.

“O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública. Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF. Sua indicação é, conforme expresso pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, uma escolha pessoal, decorrente de posição de afinidade de pensamento”, diz a nota assinada pela diretoria da ANPR.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), disse ontem ao Congresso em Foco que Aras deverá ser sabatinado e ter seu nome submetido a votação em, no máximo, 20 dias. O mandato de Raquel Dodge na chefia da PGR acaba no dia 17 de setembro. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já anunciou que o prazo não é suficiente para o plenário analisar a indicação, e a PGR ficará por algum período sob comando interino.

Sabatina no Senado

O indicado para a PGR é filho de Roque Aras, ex-deputado e ex-presidente do MDB da Bahia durante a ditadura militar e crítico ao governo vigente na época. O pai do provável futuro PGR também já foi filiado ao PT, partido pelo qual tentou se eleger senador pela Bahia em 1986 e prefeito de Feira de Santana (BA) em 1988.

Próximo a Augusto Aras, o senador Jaques Wagner (PT-BA) disse ao Congresso em Foco não ver dificuldades para a aprovação do nome do subprocurador. Wagner não quis revelar seu voto, já que a votação é secreta.

“Acho que o governo tem maioria para indicação, o caso mais estranho é o do filho do presidente [Eduardo Bolsonaro, indicado à Embaixada dos Estados Unidos], que incomoda em relação com tudo que representa a indicação para embaixador. Em relação aos outros cargos, como é de carreira, eu pessoalmente acho que em tese deve aprovar”, disse o ex-governador.

Para Jaques Wagner, o fato de o nome não constar na lista da categoria de procuradores não impede que Aras seja aprovado: “De qualquer forma o que se pode contestar é o fato de ele ser escolhido fora da lista, mas isso para mim não é uma obrigação. No nosso governo do PT sempre se falava a favor da lista, mas não tem previsão legal, era questão de o governo aceitar”.

> A caixa de Pandora do Ministério Público (fonte: Congresso em Foco)