Por Siro Darlan –
A Corte Interamericana dos Direitos Humanos e os povos originários.
Não houve descobrimento da América, o que houve foi uma invasão dos europeus que quando aqui chegaram, encontraram povos originários que aqui viviam com seus costumes, seus idiomas, suas habitações, e crenças e foram invadidos e retirados de suas aldeias para serem mortos e desrespeitados. Receberam tão bem os colonizadores e foram roubados em seus bens, e tiveram seu meio ambiente devastado.
A Convenção Latino Americana de Direitos Humanos tem tratado esse tema em algumas de suas sentenças e, diferente do que acontece em nossa jurisprudência, a decisões tem demonstrado mais respeito para com os donos das terras que os colonizadores invadiram e dilapidaram.
Com sua jurisprudência, a Corte Interamericana tem formulado várias considerações gerais na forma que interpretam os direitos e liberdades contidos na Convenção quando se está em caso relacionado aos povos indígenas ou tribais. Tais considerações tem relação coma aplicação do princípio de igualdade e não discriminação e impacto da identidade cultural no processo interpretativo.
Um dos casos que foi motivo de decisão pela corte, temos a Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fundo de Reparações e Costas. Sentença de 17 de junho de 2005.
Essa decisão trata da defesa dos direitos dos membros de uma , o pleno exercício e gozo dos direitos destas pessoas e comunidade indígena, e a Corte considerou oportuna recordar, de acordo com os artigos 24 (Igualdade perante a lei), e 1.1 (Obrigação de respeitar os direitos) da Convenção Americana, os estados devem garantir, em condições de igualdade e o pleno exercício e gozo dos direitos das pessoas que estão sujeitas a sua jurisdição.
Sem dúvida, há de se destacar que para garantir efetivamente estes direitos ao interpretar aplicar a normativa interna, os Estados devem tomar em consideração as próprias características que diferenciam os membros dos povos indígenas e a população em geral e conformam sua identidade cultural. A mesma razão deve ser aplicada pela Corte, como o efeito que suscitará do presente caso para valorar o alcance e o conteúdo dos artigos da Convenção Americana. Cuja violação a Comissão e seus representantes imputam ao Estado.
No que diz respeito aos povos originais, é indispensável que os Estados outorguem uma proteção efetiva, que tome em conta suas particularidades próprias, suas características econômicas e sociais, assim como sua situação de especial vulnerabilidade, seu direito consuetudinário, valore, usos e costumes.
Nessa linha jurisprudencial a sentença de 2007 que decidiu o Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 29 de marzo de 20062, párr. 83; Caso del Pueblo Saramaka. Vs. Surinam. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de noviembre de 20073, 178; Caso Tiu Tojín Vs. Guatemala. Fondo, serve como exemplo.
Os fatos deste caso referem-se à comunidade indígena Yakye Axa, formada por mais de 300 pessoas. No final do século 19, grandes extensões de terra no Chaco paraguaio foram vendidas. Paralelamente e com a aquisição dessas terras por empresários britânicos, várias missões da igreja anglicana começaram a se instalar na área. Da mesma forma, algumas fazendas de gado foram construídas na área. Os indígenas que habitavam essas terras eram empregados nessas fazendas.
No início de 1986, os membros da comunidade indígena Yakye Axa mudaram-se para outra área de terra devido às graves condições de vida que viviam nas fazendas de gado. No entanto, isso não trouxe uma melhoria nas condições de vida dos membros da Comunidade.
Foi assim que, em 1993, os membros da Comunidade decidiram dar início aos trâmites de reivindicação das terras que consideram seu habitat tradicional.
Uma série de recursos foi interposta, mas não gerou resultados positivos.
Desde 1996, parte da Comunidade Yakye Axa está à beira de uma estrada. Neste local estão assentadas entre 28 e 57 famílias. O grupo restante de membros da Comunidade Yakye Axa permanece em alguns vilarejos da região.
Esses fatos deste caso se enquadram no Chaco paraguaio, onde tradicionalmente vivem os membros da comunidade Sawhoyamaxa. As terras nesta área foram individualizadas como fazendas e foram listadas em nome de duas empresas privadas. Em 1991 eles começaram o processo de reclamação de suas terras. Em 1996, sem obter resultado positivo, ratificaram o pedido de reclamação de suas terras. Por este motivo, foi solicitado o envio de um pedido de oferta aos proprietários dos referidos imóveis, a fim de se encontrar uma solução negociada. No entanto, nenhum procedimento adicional foi realizado.
Em 1997, as lideranças da Comunidade Sawhoyamaxa apresentaram ao Presidente da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional um projeto de lei com o objetivo de declarar interesse social e desapropriar em favor do Instituto Indígena Paraguaio, para posterior entrega aos integrantes do Sawhoyamaxa Comunidade, fazendas privadas. No entanto, o projeto foi rejeitado.
A Comunidade Sawhoyamaxa apresentou uma série de recursos judiciais com o objetivo de reivindicar suas terras, sem grande sucesso.
Como consequência das pressões sofridas pelos proprietários das fazendas ao saber das reivindicações de suas próprias terras, os integrantes da Comunidade Sawhoyamaxa viviam em situação de extrema pobreza, caracterizada por baixos níveis de saúde e assistência médica, exploração do trabalho e restrições ao emprego, possuir plantações e gado e praticar livremente atividades tradicionais de subsistência. A maioria dos membros da Comunidade Sawhoyamaxa decidiu deixar essas fazendas, então viviam na beira de uma rodovia federal em condições de extrema pobreza, sem nenhum tipo de serviço.
Os fatos deste caso estão relacionados ao Povo Saramaka, cujos membros formam um povo tribal com características culturais específicas e uma identidade constituída por uma complexa rede de relações com a terra e as estruturas familiares. A ocupação do território dos Saramaka data do início do século XVIII.
Embora o Estado seja o dono dos territórios e recursos ocupados e utilizados pelo Povo Saramaka, por aprovação tácita do Estado, obteve certo grau de autonomia para governar suas terras, territórios e recursos. No entanto, o Estado passou a outorgar concessões a terceiros para atividades madeireiras e mineradoras na região do Alto Rio Suriname e no território do Povo Saramaka. Da mesma forma, as concessões madeireiras outorgadas prejudicaram o meio ambiente.
O Povo Saramaka não tinha status legal no Suriname e, portanto, não era elegível para receber títulos comunais em nome da comunidade ou outra entidade coletiva tradicional que possui a terra. Apesar de ter solicitado o estabelecimento ou reconhecimento de um título de propriedade sobre seus territórios, o Estado não tomou outras medidas nesse sentido.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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