Por Ana Helena Tavares –
Para marcar o dia do jornalista, cuja data, 07 de abril, coincide com a fundação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entidade que completa 113 anos em 2021, gostaria de contar duas histórias que ocorreram neste dia em 2014.
Em abril daquele ano, participei de um evento no qual Eduardo Galeano, escritor uruguaio já falecido, palestrou na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ). A palestra estava prevista para um auditório, mas o público era muito grande e não cabia todo mundo. Inicialmente, a PUC decidiu que seria no auditório mesmo. Colocaram dois seguranças na porta e cerca de 500 pessoas ficaram do lado de fora gritando palavras de ordem como: “Não é mole não, Galeano prega amor, a PUC exclusão”. Uma jornalista chegou aos berros no meio da confusão, dizendo: “sou jornalista, quero entrar”. Queria entrar no pequeno auditório onde alguns supostamente privilegiados aguardavam a chegada de Galeano. Não conseguindo, pegou o carro e foi embora.
Ela me lembrou a lenda de um repórter que teria sido designado para cobrir uma apresentação circense. Chegando lá, o circo estava pegando fogo (literalmente). O repórter não fez matéria. Voltando para a redação, explicou: “não houve show, o circo estava pegando fogo”. Levou um esporro: “Seu burro, isso dava uma matéria”. Pois bem, a jornalista, se estava a serviço de algum veículo, deveria perceber, antes de desistir, que a matéria não estava dentro do auditório, onde Galeano nem havia chegado. A matéria estava lá fora, em meio às 500 pessoas que gritavam para participar do evento (eu entre elas). Galeano, no final, adorou aquele auê e o evento acabou transferido para o ginásio da PUC, para onde ele foi direto e todo mundo pôde entrar. Ele próprio nem chegou a entrar no auditório.
O que raio a jornalista queria fazer lá dentro?
A outra história é do mesmo dia, mas esta eu não presenciei, apenas tive conhecimento e me marcou. O jornalista e escritor Gabriel García Márquez estava internado em 7 de abril de 2014. Fora do hospital, inúmeros repórteres davam plantão, travando batalha para ver quem daria o “furo” sobre sua morte. Sabendo desse batalhão de câmeras à espera do melhor ângulo para registrar seu último suspiro, Gabo (como ele era conhecido) disparou: “Estão loucos? O que fazem lá fora estes jornalistas? Que vão trabalhar! Fazer algo de útil!”.
Nunca me esqueci daquilo e até hoje reflito sobre o que seria “fazer algo de útil” para o grande Gabo. Com certeza, não é fazer papel de urubu atrás de carniça. Acho que, talvez, ele tenha tentado mostrar que um jornalista que noticia uma morte antes do outro não está fazendo, com isso, nada que contribua para a sociedade, mas tão somente para seu ego.
Nem Galeano nem Gabo estão mais entre nós. Nem é possível no mundo atual que mais de 500 pessoas se reúnam com total tranquilidade, segurança e uma grande dose de amor, muitas sentadas no chão, como foi meu caso. Nem há repórteres suficientes para ficarem na porta de hospitais 24h à espera da morte de um famoso. Os famosos e anônimos morrem aos montes. Diante desse cenário, cabe ao jornalismo agarrar a função social da profissão e entender que ela não está na competição.
O consórcio de veículos de imprensa, no qual há cooperação para que sejam passadas informações sobre a Covid-19, é uma boa mostra de que alguns entenderam isso. O que dá credibilidade não é o “furo”, muito menos a “carteirada”. É a notícia bem apurada que serve para salvar vidas.
ANA HELENA TAVARES – Jornalista profissional, escritora e membro efetivo do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Estudou no Colégio Pedro II e a isso deve parte de sua formação humanística. Paralelamente ao Ensino Médio, passou dois anos e meio no Núcleo de Filosofia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pesquisando o conceito de verdade.
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