Por Kakay –
“Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.” (Clarice Lispector).
É difícil viver sob o jugo do fascismo. A maior diferença entre um povo livre e um povo acorrentado se dá na exata dimensão do que é liberdade. A verdade é que as garras implacáveis da extrema-direita se posicionaram entre nós e incrustaram-se em uma grande parte do povo. É óbvio que a maioria dos brasileiros não é fascista, mas é necessário admitir que essa extrema-direita se empoderou com o governo totalitário do presidente Jair Bolsonaro (PL). E o combustível para alimentar essa estrutura foi a destilação do ódio, que usa a violência como maneira de se manter.
Numa estratégia ousada para se sustentarem no comando, esses grupos não titubearam em apostar no rompimento do Estado democrático de direito. O próprio presidente da República assumiu pessoalmente a função de desestabilizar a relação entre os Poderes constituídos. Cooptou boa parte do Congresso Nacional, que faltou ao país em um momento tão grave e incitou diversas ações para enfraquecer, dominar ou mesmo fechar o Poder Judiciário. Foram inúmeras as tentativas de ruptura institucional. Lembro-me de Pessoa, no Livro do Desassossego:
“Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar”.
A resistência democrática deu-se com independência e coragem por parte do Poder Judiciário, especialmente o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). E, na prática, a concretização dessa resistência iniciou-se em 14 de março de 2019, quando o ministro Dias Toffoli determinou a instauração do chamado “Inquérito das fake news” e distribuiu a relatoria ao ministro Alexandre de Moraes. Muito provavelmente, nós não estaríamos, neste momento, usando a liberdade de expressão, na correta acepção constitucional, e analisando a conjuntura brasileira se não tivesse havido uma postura séria e independente do Poder Judiciário. O risco da implantação de um governo autoritário e com forte viés ditatorial era real. A história fará justiça a todos aqueles que resistiram para colocar o país de volta aos trilhos do cumprimento da Constituição.
Com a vitória do presidente Lula nas urnas, esse grupo, que saqueou o país e desestruturou todas as conquistas democráticas e humanitárias consolidadas nos últimos governos, resolveu mostrar sua ousadia e avançou contra as instituições, inclusive com violência física grave e covarde. Os atos com pautas antidemocráticas agrediram pessoas, bloquearam estradas, colocaram fogo em prédios públicos e em carros, depredaram casas e investiram pesado para a ruptura do Estado democrático. A usina de fake news foi alimentada para manter acesa a chama do fanatismo. O bolsonarismo virou uma verdadeira seita. Para chegarem a tal ousadia, parece evidente, montaram uma estrutura golpista fortemente financiada por empresários que sustentam esse governo fascista. Apostaram no golpe. E o momento ainda é de instabilidade.
O presidente eleito e diplomado colocou-se à disposição do povo brasileiro para impedir que a barbárie vencesse a civilização. E o respeito que o Lula angariou internacionalmente, junto a todos os grandes chefes de Estado do mundo civilizado, criou uma redoma de proteção aos ataques golpistas.
Bolsonaro e sua trupe saem da história pela porta dos fundos humilhados e raivosos. Contudo, sem uma postura de enfrentamento e de responsabilização criminal a esses que atentaram contra a democracia, existe um risco real de o tumor voltar a latejar em pouco tempo. É absolutamente necessário que o pus que representa esses seres escatológicos seja purgado e que a assepsia constitucional seja rigorosa. Para tanto, é imperioso responsabilizar os verdadeiros mentores e financiadores desse movimento.
Enquanto escrevo, acompanho uma operação determinada pelo ministro Alexandre de Moraes exatamente para estancar essa sangria. Para começar a deixar claro que não será tolerada a violência como manifestação política. No dia da diplomação do presidente da República, esses lacaios ousaram ocupar as ruas para intimidar e ameaçar usando de violência. Ou se enfrenta de frente os golpistas, ou tentarão evitar a posse. Neste momento, não se conhece ainda a extensão da operação que está nas ruas, mas se tivéssemos que dar um nome a ela talvez fosse “Democracia Sempre” ou “Obrigado Judiciário”.
Lembrando-nos do velho Leão de Formosa, no poema “Sonetilha Existencial”:
“O homem lúcido como quer,
seja lá onde estiver
ele está, sem aquarela.
Sabe que a vida é viscosa
sabe que entre a náusea e a rosa
foi que a ostra fez a pérola.”
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente no Poder360.
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