Por José Carlos de Assis

O padrão de estrangulamento financeiro dos Estados por parte da União não arrefeceu com a crise do coronavírus. Ao contrário, aprofundou-se. Embora aceitando de forma arelutante o aumento para R$ 60 bilhões de uma entrega de recursos aos Estados pelo Governo federal, supostamente para aliviar os efeitos da pandemia, a lei correspondente não caracteriza recursos livres, mas financiamento. No período de suspensão do pagamento, “os valores não pagos serão apartados e incorporados aos respectivos saldos devedores, devidamente atualizados pelos encargos financeiros contratuais.” Isso é uma aberração de políticas públicas em épocas de recessão, como agora.

De fato, a economia em recessão ou depressão precisa sobretudo de demanda, e esse tipo de recursos condicionados a índices de correção monetária é estritamente contracionista. Recursos tributários não geram demanda efetiva, nem investimento ou emprego, porque o que se coloca na sociedade como gasto público é esterilizado enquanto tributo. Para se ter ideia de uma operação da mesma natureza, quando o Estado do Rio aderiu ao chamado Plano de Recuperação Fiscal consolidou uma dívida de R$ 8 bilhões junto ao Governo federal em 2016. Esses valores, por força de indexadores, se elevaram para nada menos que R$ 9 bilhões em 2017 e inacreditáveis R$ 44 bilhões em 2020.

Paralelamente, os dispositivos do acordo estabelecem medidas extremamente restritivas que os Governo estaduais devem seguir, seja para o pessoal ativo, seja para o inativo. Aqui de novo encontramos uma contradição. Controlar e reduzir gastos com pessoal, independentemente do estrago que isso faz no plano administrativo, também é extremamente contracionista do ponto de vista financeiro. Isso já seria ruim numa economia normal, mas, em tempo de depressão provocado por pandemia, é um crime contra o crescimento. Quando um funcionário compra um fogão, ele está transferindo dinheiro para o fabricante de fogão, que responde com investimento e criação de emprego. É estúpido, numa pandemia, ignorar isso.

Diante das relações estabelecidas entre União e Estados, é um imperativo a ruptura do paco federativo atual e sua reconstrução em outras bases mais justas. Isso pode ser feito sem qualquer embaraço para o combate ao coronavírus. Ao contrário, vai favorecê-lo da única maneira que uma política econômica capitalista pode fazer, ou seja, criando demanda efetiva a partir dos gastos do Governo, de forma a promover, com disse, o investimento, governamental e privado, e sobretudo o emprego. Do contrário, seremos engolfados por uma onda neoliberal de ignorantes financeiros que destruirá vidas num ritmo muitíssimo superior à pandemia.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.