Por José Carlos de Assis

Através da Escola Superior de Paz, o cineasta Sílvio Tendler acaba de lançar um movimento nacional contra guerras, visando a alcançar fronteiras mundiais. Estou ao lado dele. Contudo, há guerras justas, quando se trata de guerras contra tiranias. Ele reconhece isso. Pelo meu lado, também reconheço que há guerras justas, porém no campo da ideologia. E a ideologia mais perniciosa para a humanidade, mais repugnante, mais cruel que surgiu nas últimas décadas foi a ideologia neoliberal.

Faço parte de um grupo de economistas e outros profissionais que decidiu, seguindo o caminho de Tendler, lançar uma “guerra” informatizada, esta contra o neoliberalismo. Vamos aproveitar esse período de descenso da pandemia para usar o que resta de eficácia das lives para atacar o estrago feito no Brasil por políticas neoliberais ao longo de quase quatro décadas, sob o tacape do FMI e do Consenso de Washington. Serão três meses de guerra através de lives, sistematicamente.

Silvio Tendler e o jornalista Daniel Mazola no Salão Nobre Dr. Modesto da Silveira, na sede da OAB-RJ, cidade do Rio de Janeiro. (Iluska Lopes / Tribuna da Imprensa Livre)

É preciso considerar que, na comunidade de economistas, como acontece em quase todas as comunidades profissionais, ser adversário não significa necessariamente ser inimigo. No caso neoliberal, contudo, houve um excesso deles. O sofrimento imposto ao povo brasileiro no período de sua hegemonia ainda preservada é imperdoável. Eles nos fizeram recuar décadas no campo social e, igualmente, no campo da infraestrutura econômica. Não sobrou quase nada construído no país antes deles.

Para as comunidades mais pobres, foram imensos os sacrifícios impostos desde os infames acordos de pagamento da dívida externa negociados com o FMI, a partir do início dos anos 80. Esses sacrifícios foram agravados, especialmente, depois que assumimos “voluntariamente” os princípios do Consenso de Washington. Houve uma degradação geral dos sistemas públicos de educação, saúde, transportes públicos, segurança, saneamento. Ou tudo que se refere a serviços públicos básicos e essenciais.

É que os tecnocratas neoliberais brasileiros transformaram em dogma de fé os princípios neoliberais de equilíbrio a qualquer custo do orçamento primário, de realização de superávits primários e, por último, de limitação anual do orçamento, por 20 anos, à inflação do ano anterior. Isso é simplesmente uma aberração em termos de políticas públicas: é como se a sociedade brasileira não vá evoluir por 20 anos, em suas necessidades básicas, as quais, pela Constituição, devem ser atendidas pelo Estado!

São as parcelas mais vulneráveis da sociedade os “alvos” principais das restrições orçamentárias e, em especial, do teto de gastos, incluídos na Constituição do país. Contudo, elas não têm quem fale por elas, a não ser um grupo minoritário de políticos no Congresso vinculados a partidos de oposição. A situação começa a mudar, porém, ainda não no plano da ideologia econômica. O fracasso do neoliberalismo tornou-se um dado da realidade, mas ainda não foi percebido como tal pelas elites.

Isso é o que justifica nossa “guerra” ao neoliberalismo: contra fatos não há argumentos, mas, no plano da ideologia, argumentos podem ser manipulados. As classes mais vulneráveis no plano real costumam ser também vulneráveis no plano da ideologia. Em economia, quando o noticiário da grande imprensa começa a fazer circular, como algo positivo, que o governo está cortando gastos, não surpreende se isso é saudado como positivo pela sociedade, pois assim divulga a grande mídia.

Charge do Dum (Arquivo Google)

A principal indicação da vulnerabilidade das partes indefesas da sociedade, portanto, está na manipulação do orçamento público e na naturalização de suas distorções pela mídia, pela maioria do Congresso, pelas classes dominantes em geral e, em parte, pelas elites. Contra isso, as defesas dos pobres são muito frágeis.

A burocracia pública que cuida do orçamento é implacável: não há como escapar das restrições que impõe do lado dos gastos, e dos cortes, pelo lado da despesa.

Vejam o que está acontecendo com as universidades federais: submetidas a um corte linear de 14,5% em suas verbas, não terão como pagar, neste e nos próximos anos, despesas básicas por serviços essenciais como até mesmo de limpeza, de água, de energia elétrica. Estudantes ficarão sem onde morar nas próprias universidades e sofrerão cortes brutais de bolsas para cursos de formação, aperfeiçoamento e pesquisa. É o futuro do país que está sendo jogado às moscas pelo governo Bolsonaro.

Contudo, se fôssemos reduzir nosso debate com os neoliberais a uma equação simples, diríamos resumidamente: liberem os gastos e os investimentos públicos, esqueçam os déficits. Eles serão compensados pelo aumento da produção. E o aumento da produção – em especial, de produtos alimentares –, na medida em que temos capacidade produtiva e recursos naturais, reduzirá as pressões inflacionárias, resultando disso tudo o aumento do emprego, junto com a produção!

Sei que os neoliberais não aceitarão esse debate ao vivo. Por isso estamos colocando-o na forma de uma declaração de “guerra” unilateral. Se aceitassem o, e não viessem com essa arrogância de que são “ortodoxos”, poderíamos produzir esclarecimentos de maior amplitude sobre a economia política brasileira. A propósito, acabo de escrever “A Economia Brasileira Como Ela É”, um livro-libelo a ser editado pela Amazon para circular nas próximas semanas. Será a base dos vídeos.

Ortodoxia, pela etimologia, significa “conhecimento certo”. Portanto, quando os neoliberais se dizem ortodoxos, estão promovendo um “sequestro” de palavras. É por isso que é difícil trazê-los para um debate sério, corpo a corpo. Se eles se dizem neoliberais, nós nos devíamos chamar de “neo-ortodoxos”, e debatermos com eles nessa qualidade, superando a ortodoxia deles pela nossa. De qualquer forma, preferimos nos qualificar como social desenvolvimentistas, que é a neo-ortodoxia.

Os conceitos dessa neo-ortodoxia, adiantados acima, se colocam num nível rigorosamente científico e eliminam todas as contradições da doutrina neoliberal. Explicam, principalmente, as razões do fracasso da aplicação do neoliberalismo doutrinário à economia real, especialmente nas últimas duas décadas e, com destaque, nos anos de radicalismo neoliberal de Temer e Bolsonaro. É um fracasso refletido, sobretudo, no custo de vida e na degradação do mercado de trabalho.

Nossa “guerra” contra o neoliberalismo, durante o trimestre de junho a agosto, começará nesta sexta, dia 10, às 19h30m, através de uma live divulgada pelo Instagram e outras plataformas. É pela vida, pela liberdade, pelo respeito à propriedade individual e pelo direito ao pleno emprego – fundamentos da democracia moderna, segundo os filósofos sociais que a anunciaram. Não será uma “guerra” de economistas. Nela, certamente, vai haver lugar para todos os combatentes de boa vontade.

Agosto de 2016, o editor-chefe da Daniel Mazola com o Professor José Carlos de Assis durante a terceira entrevista da série ‘Especial Olímpico’. (Iluska Lopes / Tribuna da Imprensa Livre)

Entre os economistas, um grupo de vanguarda terá papel decisivo nesse movimento: serão os propagadores, no Brasil, da Teoria Monetária Moderna e do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento. Esses acadêmicos estão em pé de igualdade com quaisquer teóricos que, no mundo, se dedicam à difusão de FF.

A eles caberá quebrar os nós que ainda aprisionam boa parte de nossos economistas, infelizmente de várias gerações, nas poderosas cadeias dos preconceitos neoliberais.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


 

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