Por Lincoln Penna –
A pandemia ao ser ignorada por Jair Bolsonaro acabou por transformá-lo no seu mais devastador alvo. Sobrou também para os militares, no instante em que o general Pazzuelo assumiu (?) a pasta da Saúde, e com uma gestão monitorada pelo capitão que exerce a presidência da República arrastou consigo os militares.
Parodiando Oliveira Vianna em sua obra O Ocaso do Império, que ao buscar o momento do início da queda do regime monárquico destacou a crise do gabinete Zacharias, 1868, e o manifesto republicano de 1870; decidi fazer o mesmo para referir-me ao Ocaso do governo atual. E esse “ponto do nosso espaço histórico”, como acentuara Oliveira Vianna, se encontra em dois momentos: o manifesto do empresariado e a destituição do ministro da defesa a desencadear o afastamento dos militares da ativa do governo.
A aliança que fora de fundamental importância para a manutenção do regime militar e empresarial do golpe de 1964, e que se manteve ao longo dos anos de redemocratização, agora se reúne para afastar-se de um farsante, que agride o bom senso, desconsidera a ciência, e promove o genocídio. Além disso, governa para os seus seguidores fanatizados, desmonta o Estado nacional e se isola no cenário internacional ao assumir a condição de pária e levar consigo a bela imagem do povo brasileiro.
Estamos diante de uma impossibilidade governamental, dada a incapacidade de contar com alguma confiabilidade do poder legislativo pressionado minimante pela razoabilidade; com um Supremo Tribunal Federal contrário a qualquer aventura que agrida a Constituição Federal, e agora com a retirada de apoio incondicional de duas forças que sustentavam um governo a manifestar-se contra tudo e contra todos.
A única avaliação é a do desespero de quem já perdeu.
As conjunturas num momento de crise sanitária com implicações múltiplas se sucedem sem que se possa conjecturar sobre seus desdobramentos. Duas coisas, no entanto, devem ser observadas. A primeira consiste na prioridade do combate à pandemia, através do esforço de todos e a pressionar as autoridades e os entes federativos a fazerem um verdadeiro mutirão de apoio ao povo mais vulnerável. Este é a prioridade enquanto é tempo.
A segunda é começar a recompor as forças capazes de promover uma reconstrução do país seja na área produtiva em face de inúmeras empresas terem sido fechadas, e os postos de trabalho dizimados. Uma política de reconstrução dessa natureza passa por uma agenda nacional de superação dos males causados pelos dois vírus que nos abateram: a pandemia e a boçalidade extrema de uma presidência que só pensou em agredir a Constituição e a quem a ela, presidência, se opõe.
As feridas devem ser tratadas, as perdas devem ser lamentadas e lembradas sempre, e as convergências devem merecer a primazia para que saiamos de um pesadelo que marcará todas as gerações e perdurará por algum tempo. É numa guerra social, num outro sentido da que mencionara tempos atrás ao fazer alusão à resistência dos mais espoliados. Agora, estamos todos a sofrer com graus diferenciados, é verdade, mas no mesmo barco de um destino anunciado. Ou nos superamos por igual ou vamos amargar tempos mais difíceis ainda.
Por essas razões não estou clamando pelo impeachment como medida imediata, não porque não queira nem o considero inadequado. É que a prioridade é a pandemia, cujo custo de mobilização supera qualquer paralisação de um processo de afastamento de um presidente a colocar objetivamente em segundo plano o combate à pandemia, tal como nas guerras os exércitos ganham mais importância do que o julgamento de governantes.
E no momento enfrentamos uma guerra sanitária, mesmo tendo como um de seus aliados um governante capaz de tudo.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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