Por João Batista Damasceno –
Um professor foi preso em Goiás porque seu carro continha plotagem com palavras de desapreço político, dentre elas “Fora!” e “Genocida”. Um policial ordenou que se retirasse o adesivo, sob o fundamento de crime de calúnia descrito na Lei de Segurança Nacional (LSN).
Genocídio é o extermínio deliberado de pessoas, motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e sociopolíticas. O objetivo do genocídio é o extermínio de um grupo social; é um tipo de limpeza étnica. Tanto a convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio, de 1948, quanto o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), de 1998, contêm definição idêntica. O crime de genocídio é definido no Brasil pela Lei.
A CPI da Covid já nos indica que houve opção pela imunização do rebanho, mediante contágio, ao invés da imunização pela vacina. Foi uma opção política, cujos objetivos precisamos investigar. Em março do ano passado, diante da previsão de que ocorreriam mortes generalizadas entre os idosos, se o vírus não fosse contido, a Superintendente de Seguros Privados/Susep teria dito: “É bom que as mortes se concentrem entre os idosos. Isso melhorará nosso desempenho econômico, pois reduzirá nosso déficit previdenciário”.
Se o governo fez opção pela morte de idosos e pessoas com comorbidades visando a reduzir os gastos com a Previdência ou com o SUS é evidente que estamos diante de crime. Tecnicamente não é genocídio; é crime contra a humanidade.
A definição legal do crime de genocídio não tem correspondido ao uso coloquial em discursos de manifestantes. A tentativa de extermínio da população indígena ou quilombola para apropriação de suas terras ou das riquezas que nela se encontrem pode ser definido como genocídio. De idosos e pessoas com comorbidades, não. O Estatuto de Roma admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos de assassinato e extermínio ou os cometidos em ataques deliberados, como o são as chacinas à luz do dia nas favelas cariocas. O extermínio de idosos e pessoas com comorbidades, por razões econômicas, é crime contra a humanidade.
Para caracterizar crime contra a humanidade é necessário que a conduta seja generalizada ou sistemática contra parcela da população civil, além de corresponder a uma política de Estado ou de uma organização que promova essa política. E isto parece não faltar nas práticas governamentais.
Qualificar quem tenha cometido crime contra a humanidade como genocida não é crime de calúnia, como interpretou Sua Excelência, o sargento Goiano, do alto de seu oculto saber. Caluniar é imputar falsamente fato definido como crime. Tem que ser ‘fato’ e ‘falso’. Se for verdadeiro não é crime de calúnia. Difamar é a imputação de fato não criminoso ofensivo à reputação.
A qualificação depreciativa, mesmo que ofensiva, não está prevista na Lei de Segurança Nacional.
Opinião ou conceito desfavorável da crítica literária, artística, científica ou política não caracteriza crime de injúria. Pode ferir o ego do destinatário, mas não é crime. E mesmo que haja a exclusiva intenção de insultar, se o ofendido for o presidente da República somente se procede por requisição do Ministro da Justiça e não pela ação voluntariosa do guarda da esquina em suas manifestações abusivas.
A qualificação de alguém como genocida não é atribuição de fato. Fato é ocorrência concreta no mundo natural. Um adjetivo não designa fato, pois apenas indica qualidade de um ser. O sargento cometeu crime de abuso de autoridade e poderia ter sido preso, ante indevido cerceamento do direito de ir e vir do professor. E isto ainda pode ocorrer.
Esta semana eu havia previsto falar sobre o retorno às aulas na rede pública de ensino do Estado e Município do Rio de Janeiro, sem a vacinação da integralidade dos professores e funcionários. Mas, a hermenêutica do policial goiano, que deveria ter arranjado um outro com igual sentimento e decepção para formar uma dupla sertaneja, tomou a minha atenção.
Mas, impor que professores e funcionários retornem às atividades sem que estejam imunizados, igualmente implica exposição a risco e pode tornar autoridades estaduais e municipais também sujeitas a sanções legais.
(Fonte: O Dia)
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Desembargador do TJRJ; Professor da UERJ; Doutor em Ciência Política (UFF); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro efetivo da ABI; Colunista do Jornal O Dia.
MAZOLA
Related posts
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo