Por Lincoln Penna –
Assisti ao filme Marighella.
Quase dois anos depois fui a uma sala de cinema, e me pus bem à frente da telona. Sensação de estar na condição de coadjuvante dessa magistral obra de Wagner Moura, que se revelou um baita diretor, a exibir com maestria o que há de melhor no cinema, o movimento das cenas. Perfeito.
O elenco com Seu Jorge no papel principal, Adriana Esteves como Clara Charf, Luiz Carlos Vasconcelos como Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, e Bruno Gagliasso, representando supostamente o famigerado delegado Fleury, compuseram um elenco, cuja escolha não poderia ter sido melhor. Primorosamente interpretado por todos.
Centrado no curso dos acontecimentos representados pela ação desencadeada pelos revolucionários sob a batuta de Carlos Marighella, talvez tenha faltado uma apresentação mais completa do mais destacado nome da opção armada à ditadura. A sua participação no Partido Comunista do Brasil (PCB) deixaria claro que sua condição de comunista tinha uma origem. É certo que a cena do ator Herson Capri representando um dirigente do Partidão revela essa anterior vinculação. Mas é pouco, sobretudo para quem não está familiarizado com a política à época.
Mas, essa aparente restrição em momento algum desfigura a concatenação das imagens e o relato dos fatos que culminaram no desfecho trágico da morte de Marighella. A própria personalidade da figura central do filme é mais do que suficiente para que o consideremos o filme do ano. Faz pensar e repensar as escolhas a que cada cidadão venha a ter diante das adversidades, principalmente aqueles que assumem os compromissos ditados por sua consciência. Em certos momentos, as conjunturas não conseguem falar mais alto do que os impulsos movidos pela indignação.
Pessoalmente, conheci Marighella numa situação inusitada, pois foi na praia de Copacabana. Um grupo o rodeava para ouvir o relato de um homem forte a discorrer sobre tática de futebol. Era Marighella naqueles tempos anteriores ao golpe de 64, tempos em que apesar da clandestinidade imposta ao PCB e aos seus militantes era possível encontrá-los livremente nas vias públicas. Mal sabia tratar-se de uma liderança comunista diante daquela figura que encantava a todos.
Crítico mordaz da orientação do partido era comum os relatos sobre sua fina ironia ao se referir aos quadros dirigentes da organização da qual se desfiliaria pouco tempo depois. Em conversas com Geraldo Rodrigues dos Santos, o Geraldão, também dirigente do PCB, disse-me ele que não escondia sua admiração pelo camarada, e que tenttou dissuadi-lo de sua decisão de sair do partido. Dizia-me Geraldão, que Marighella nas reuniões rabiscava aparentando não estar atento ao que se discutia. De repente, pedia a palavra e produzia uma fala que surpreendia a todos.
Com humor e com galhardia, o mais cético dos dissidentes que romperam com o PCB, nunca escondera suas críticas ao burocratismo partidário. Para ele um revolucionário deveria ter autonomia para ações que pudessem desencadear os processos revolucionários. Daí, a criação da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Claro está, que nem sempre essas ações autônomas ou isoladas mereceram pronta aceitação do principal quadro da organização voltada para a revolução brasileira. No episódio do seqüestro do embaixador americano, por exemplo, Marighella veio tomar conhecimento depois do fato. Mas, rendeu-se ao ato que para ele resultou exatamente daquela autonomia que sustentava. E isso o filme retrata, no diálogo como sempre bem colocado na fala dos personagens.
Pontos altos o filme os teve sem dúvida. Um deles, o amor pelo filho Carlinhos. Apesar de sua opção pela via da ação revolucionária, o que deixava longe seu filho, jamais deixou de se preocupar com sua integridade, não apenas física, mas também sua integridade moral. O epíteto de terrorista atribuído pelos agentes da ditadura não se coaduna com o afeto que tinha pelo filho, assim como a todos que tinham no “Guerrilheiro que incendiou o mundo”, para usar o subtítulo do livro biográfico de Mário Magalhães, fonte e inspiração para o filme.
A morte de Carlos Marighella em circunstâncias dramáticas, uma vez que localizado foi sumariamente executado. E, além disso, montada uma hipotética cena de auto-resistência, que não houve ou não teve tempo para que acontecesse. É preciso dizer que Marighella não morreu, porque seu nome representa mais do que o indivíduo. Está vivo na consciência do povo, pois não se desfaz de um líder através de discursos menores do viciado anticomunismo.
Por fim, palmas para Wagner Moura, pelo o uso dos símbolos nacionais, como a bandeira e os hinos entoados ao final, porque eles são patrimônio de um povo, e não pode ser apropriado pela malta canalha que compromete os destinos de um povo. Povo este que não obstante confia e espera que dias melhores venham a atender as muitas necessidades básicas surrupiadas pelos verdadeiros terroristas.
E o resgate das lutas de vários heróis será evocado sempre, uma vez que um filho seu não foge à luta. Acho que esse é o recado que fica ao final do filme.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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