Por Helio Fernandes –
Publicações históricas no Centenário do jornalista.
Hoje e amanhã, 31 de março e 1º de abril, trato do golpe de 64 com lembranças do passado, e análises lúcidas de personagens de hoje. Começo citando como está no título, a afirmação do general Leônidas. Quando ele diz que o “Exército nunca foi INTRUSO”, quer dizer que sempre esteve no primeiro plano de tudo, raramente deixou de ser participante e dominante.
Acontece que escrevo isso há mais de 30 ou 40 anos, citando a participação do Exército na República. Sempre estabeleci a diferença entre duas palavras: PROMULGAÇÃO e IMPLANTAÇÃO da República. A primeira palavra define ou definiria o movimento histórico dos “ABOLICIONISTAS”, e os “PROPAGANDISTAS da República”.
A segunda, intromissão de dois marechais, que entraram na História através de um golpe, (o primeiro da República), e tomaram o Poder. Cambaleando e quase sem conseguir subir num cavalo.
Não vou relembrar a História do Brasil, apenas confirmar o general
Deodoro e Floriano, dois coronéis que vieram brigados da estranha guerra do Paraguai, na madrugada de 15 de novembro, já marechais, se reconciliaram e “expulsaram” os civis da conquista da República. República que com esses dois Marechais, se transformou numa quartelada. Eu sei, o general Leônidas não havia nascido.
E também não era torturador. Mas numa entrevista ao repórter Geneton Moraes Neto, tentou convencê-lo de que “comandou o DOI-CODI”. Ora, o general Leônidas nem sabia onde ficava a Rua Barão de Mesquita. Adido Militar na Colômbia, se perdia no Rio.
O Exército ou generais sempre arrogantes
Logo depois da República, massacraram e assassinaram toda a população de Canudos. Em 1896 usaram três quartas partes do efetivo militar, usando até canhões. Assassinaram toda a população, não escapou nem o “santo” Antônio Conselheiro.
Como “Tenentes” tumultuaram o país desde 1922, tomaram o poder em 1930. Garantiram a tremenda ditadura do Estado Novo. Ainda tiveram “fôlego” para derrubar João Goulart, que como eu já disse há anos, não tinha nada a ver com os comunistas. Queria o “poder total” e mais nada.
Tenho todo o direito de situar Jango na sua exata posição, pois em 1963, fui o único preso por ordem direta dele. Pediram 15 anos de prisão para mim, estavam certos de que me condenariam. Pois foi na minha casa que nasceu a “Frente Ampla”. Na minha casa e da minha cabeça.
Depoimentos históricos
Anteontem, na mesma página, matérias de agora, altamente elucidativas, competentes inesquecíveis. Numa entrevista ao repórter Bernardo Mello Franco, Daniel Aarão Reis, lúcido e participante, com a visão do torturado agora Historiador, interpreta o golpe dos dois lados. E em com total isenção ou não poderia ser chamado de Historiador.
Aarão Reis, que começou na guerrilha com 23 anos, freqüentou os subterrâneos da ditadura. Foi torturadíssimo até ser trocado pelo embaixador alemão, seqüestrado precisamente para haver a negociação. E a ditadura dos generais torturadores, mostrou mais uma vez a covardia inata e assumida.
Cumpriram as ordens dos EUA
Assim que o embaixador americano foi seqüestrado, (decisão, planejamento e execução perfeita), começaram as conversas. Primeiro exigiram a leitura, nas televisões, do manifesto dos seqüestradores. Veio a ordem: “Publiquem imediatamente”. Publicaram, lógico.
A seguir a exigência da troca do embaixador por alguns presos. Os combatentes ainda não tinham consciência da própria força, “trocaram” por poucos. Mais tarde, com o seqüestro do insignificante embaixador alemão. 39 presos foram soltos ou embarcados para o exterior.
O final da entrevista de Aarão Reis, dois pontos magistrais. 1 – “Faltou povo na guerrilha”. É verdade. Mas como 60 guerrilheiros poderiam passar por cima de 60 mil militares? Que recebiam ordens de alguns generais ambiciosos?
2 – Deixa à mostra a “contradição” de alguns generais e não do Exército: “Até hoje esses generais se omitem, condenam e falsificam a história”.
E de forma irresponsável: “Fui preso, torturado, anistiado pelo Ministério da Justiça. E quem me torturou diz que não houve tortura no Brasil”. E ele mesmo termina: “É uma coisa esquizofrênica”.
Demétrio Magnoli não tinha idade para combater, tem para analisar
Sociólogo, Geógrafo, com vocação de historiador, conta e interpreta fatos importantes. Contesta os “memorialistas das conveniências”, e corajosamente penetra num círculo que tantos querem esquecer. Círculo da contradição, digo eu.
“O golpe de 64 não nos salvou da ameaça comunista que não existia”. E depois: “Isso foi urdido por um fascismo puramente imaginário”. O artigo de Demétrio vai assim até o final, é um dos dois pontos mais completos e para ser aplaudido.
O segundo é a coragem e o discernimento de entrar na interpretação de um dos fatos mais importantes do golpe. Os dois editoriais do Correio da Manhã, intitulados “Basta” e “Fora”. Até hoje se discute, se nega e se confirma a autoria dos manifestos.
Demétrio dá o nome de sete autores, desculpe, foram oito. Hoje todos negando a autoria, com exceção de quatro que já morreram. Esses dois artigos explicitam e elucidam um período torpe, covarde e farsante da História do Brasil.
O primeiro golpe militar foi o da República. Dois marechais que eram inimigos, se reconciliaram, derrotaram a brilhante geração dos “abolicionistas” e dos “propagandistas da República”. Os charmosos “Tenentes de 1922”, combateram até 1930, quando se beneficiaram de tudo.
PARTE II
O Estado Novo, garantido pelos generais
Em 1937, Vargas “implantou” ditadura, que chamou de “Estado Novo”. Garantido pelo general Dutra, que nos oito anos, foi chamado de “condestável do Estado Novo”. Derrubada a ditadura, lógico foi presidente, garantindo a volta de Vargas.
O golpe de 64, teve remanescente
Alguns mais longevos, que palavra, garantiram o Estado Novo, voltaram em 64. Que capacidade. Concluiu, dizendo: “Vamos olhar para o futuro, esquecendo o passado”. Que farsa, Ministro. Era melhor ficar em silêncio. A Comissão da Verdade deveria ter sido criada 33 anos antes e não agora.
Mas sem interpretar e examinar o passado, não podemos acreditar no futuro. O passado, qualquer que seja ele, tem que ser lembrado, mesmo para ser contestado. Quando assinaram em 1979 à extravagante “anistia ampla, geral e irrestrita”, estavam tentando sepultar esse passado.
Os próprios militares que deram o golpe de hoje, estavam apavorados e achavam que com esse “ato” que só beneficiou os vencedores, não valia nada, sendo assinado apenas pelos representantes de um lado. E que estavam absolvendo a eles mesmos.
PS – Fatos desse 31 que completa 50 anos e não mais interpretação. A indecisão e a certeza eram totais. Carlos Lacerda, “ilhado” no Guanabara, com centenas de pessoas, recebeu a informação ou informe.
PS2 – O Almirante Aragão “iria invadir o palácio”. Não sabia o que fazer. Tentou falar com Castelo Branco, dos chefes golpistas, o único que estava no Rio, mas não tinha a menor idéia de onde.
PS3 – Deu uma sorte. Um amigo médico, soube do seu problema, telefonou para o governador: “O general está na minha casa em Copacabana, emprestei para ele. Está com o general Ademar de Queiroz, teu amigo. O telefone da minha casa é 42-6178”. (Na época só seis números).
PS4 – Lacerda ligou, o general Ademar ficou perplexo do governador ter localizado Castelo. Mas não podia deixar de passar o telefone para o chefe do golpe.
PS5 – Lacerda contou o que temia, a invasão do Almirante, recebeu a seguinte resposta: “Governador, não posso fazer nada pelo senhor. A tropa que veio de Minas e a do Rio estão a um ponto do confronto, quero evitar isso” e desligou.
PS6 – Lacerda telefonou imediatamente para o presidente da Comlurb: “Mande os maiores caminhões da empresa, bloqueiem todas as ruas que chegam ao Guanabara. Não pode passar nenhum veículo, civil ou militar”.
PS7 – Apesar de ser o civil de maior penetração nos círculos militares, Lacerda não sabia de coisa alguma. O movimento golpista foi organizado, comandado e empossado por militares, perdão, generais.
PS8 – Abertamente não houve mais nada nesse 31 de março. A ocupação final do poder ficou para o dia seguinte, 1º de abril. Mas como é o chamado “Dia da mentira”, comemorado popularmente, proibiram de forma terminante, qualquer que seja a citação nesse dia.
PS9 – Para os generais, o golpe, desculpem, farsantes até o fim, falavam em Revolução. E comemoravam, como agora, no dia 31.
(REPRISE)
Fonte: Blog do Helio Fernandes – www.heliofernandesonline.blogspot.com
HELIO FERNANDES – Jornalista, decano da imprensa brasileira. Seu primeiro emprego foi na revista O Cruzeiro, quando tinha 13 ou 14 anos de idade, onde entrou a pedido do tio, gráfico de profissão, e lá permaneceu por aproximadamente 16 anos, junto com seu irmão mais novo Millôr Fernandes. A seguir, foi chefe da seção de esportes do Diário Carioca, onde chegou ao cargo de secretário, semelhante ao atual editor. Quando o jornal fechou, foi ser diretor da revista Manchete. Após o final do Estado Novo, em 1945, cobriu a Assembleia Constituinte de 1946, onde conhece o jornalista Carlos Lacerda, com quem teve longa relação profissional e de amizade. Trabalhou como jornalista no recém-lançado jornal Tribuna da Imprensa. É o único jornalista ainda vivo que participou da cobertura da Assembleia Constituinte de 1946. Foi assessor de imprensa de Juscelino Kubitschek durante a campanha deste à presidência da república em 1955, quando viajou por todo o pais acompanhando o candidato. Após a campanha, polêmico como sempre, volta ao jornalismo de oposição ao governo que ajudara a eleger. Trabalha também na televisão, num programa onde comenta a situação política, com sucesso. No começo da década de 1960, Helio Fernandes adquire o jornal Tribuna da Imprensa, fundado alguns anos antes por Carlos Lacerda agora governador do estado da Guanabara. Vários jornalistas importantes dessa época ganharam destaque com ele, como Paulo Francis e Sebastião Nery. Jornalista sempre polêmico e com ideias de esquerda, já era perseguido antes do Golpe Militar de 1964, preso pela primeira vez em julho de 1963 por ordem do Ministro da Guerra de João Goulart, general Jair Dantas Ribeiro. Após onze dias preso, quatro deles incomunicável, foi libertado por ordem do Supremo Tribunal Federal. Foi o redator do manifesto pela Frente Ampla, lançado por Juscelino, Lacerda e João Goulart e chegou a ser candidato a deputado federal pelo MDB, mas teve seus direitos políticos cassados em 1966. Com a violenta censura à imprensa imposta principalmente com o AI-5 em 1968, foi preso várias vezes, inclusive no DOI-CODI, foi afastado compulsoriamente do Rio de Janeiro e obrigado a passar períodos de exílio interno em Fernando de Noronha e em Pirassununga(SP). Ao contrario de outros donos de jornal, nunca aceitou a censura e nunca deixou de tentar publicar as notícias do período. Seu jornal foi o que mais sofreu intervenção durante o Regime Militar: teve mais de vinte apreensões e censores instalados dentro de seu prédio por dez anos e dois dias. Em 1973 foi preso por seis dias no quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita. A sede do jornal chegou a ser alvo de um atentado a bomba, poucos dias antes do Riocentro, já na época final da ditadura militar, em 1981, mas no dia seguinte o jornal estava nas bancas. Além de irmão do Millôr, Helio Fernandes é pai dos jornalistas Rodolfo Fernandes e Hélio Fernandes Filho (fonte: Wikipédia)
MAZOLA
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