Por Jeferson Miola

O deputadocrata bolsonarista Cláudio Cajado/PP-BA, relator do Projeto de Lei do Novo Arcabouço Fiscal [NAF] designado para a missão pelo chefe da Deputadocracia Arthur Lira, transformou a proposta original do governo, que já era problemática, em bíblia sagrada das finanças.

No relatório que será votado pelo Plenário da Câmara, Cajado prestigiou as finanças e o rentismo com um capítulo específico no corpo da Lei – o Capítulo II, “das metas fiscais compatíveis com a sustentabilidade da dívida”.

A proposta subordina o conjunto de leis orçamentárias – a LDO e a Lei Orçamentária Anual – ao atendimento das diretrizes e metas de resultado primário “compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública”.

A reserva de bilhões de reais do Tesouro Nacional para o pagamento de juros da dívida, portanto, terá precedência absoluta sobre quaisquer outros gastos públicos, como aqueles necessários para resolver as urgências sociais e para garantir os investimentos para o desenvolvimento do país.

O Bolsa Família, por exemplo, que no projeto original estava fora do limite de gastos, no relatório do deputadocrata Cajado ficou sujeito à austeridade imposta para remunerar os financistas por meio do pagamento do serviço da dívida pública. Em compensação, Cajado absurdamente incluiu o orçamento das escolas militares nas exceções ao teto.

A preocupação com a proteção do sagrado direito das finanças em detrimento da reconstrução e desenvolvimento do país, aparece como dogma em várias citações no texto, como nas seguintes passagens:

– “[…] medidas de ajuste a obtenção de resultados fiscais compatíveis com a sustentabilidade da dívida”;

– “diretrizes de política fiscal e as respectivas metas anuais para o resultado primário […] compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública”;

– “Considera-se compatível com a sustentabilidade da dívida pública o estabelecimento de metas de resultados primários […]”;

– “[…]os níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a sustentabilidade da dívida […]”.

A prioridade do rentismo e das finanças é de tal modo explícita no texto proposto pelo relator que o NAF ficará como uma variante ainda mais austericida do famigerado Teto de Gastos.

A vitória do Lula na eleição não significou uma derrota do neoliberalismo e dos dogmas ultraliberais e rentistas.

Depois da completa desmoralização do Teto de Gastos, ultrapassado em mais de R$ 300 bilhões pelo governo fascista-militar, não faz absolutamente o menor sentido o país fixar limites de gastos públicos desde uma perspectiva fiscalista e austericida.

Isso acontece, porém, devido à força esmagadora do capital e das finanças no Congresso, onde contam com uma maioria de deputadocratas servis aos seus interesses.

Se for aprovado nos termos propostos pelo correligionário do chefe da Deputadocracia Arthur Lira, o NAF – cuja proposta original já continha armadilhas –, deverá trazer complicações ainda mais relevantes para o governo Lula, comprometendo a capacidade de concretizar o programa de governo eleito em 30 de outubro.

O NAF reforça a captura do Estado pelas finanças e pelo rentismo e representa, por outro lado, uma estrondosa derrota da soberania popular, realidade que confirma que o neoliberalismo é incompatível com a democracia.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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