Por José Carlos de Assis

Estou enojado com essas repetidas declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, segundo as quais a melhor política social é o combate à inflação.

Isso é uma absoluta empulhação. O que ele faz é dar uma justificativa hipócrita para a pior política social já feita na história econômica brasileira, que nos levou ao que chamo de “economia da especulação e do desemprego”, em confronto com a “economia da produção”.

Para quem se deixa levar por sua retórica cretina, só existiria uma única política de combate à inflação no mundo e no Brasil. Se ele acha isso, com sinceridade, é um ignorante de economia. Se é um impostor, infiltrado no governo Lula para fazer política bolsonarista sem Bolsonaro, estamos diante de um sabotador capaz de provocar, nesse pouco mais de um ano e meio que faltam para ser alijado da presidência do Banco Central, uma tragédia social no país a partir da política monetária.

Vejamos seus argumentos repugnantes para justificar as altíssimas taxas de juros praticadas no Brasil. Ele afirma que se devem ao desequilíbrio fiscal e à elevada dívida pública interna. Ambas são desculpas falsas. Desequilíbrio fiscal só provoca inflação se o investimento público dele derivado não se aplica a investimentos produtivos responsáveis. Se o investimento for responsável e autossustentável, a produção corresponderá ao financiamento deficitário, oferta e demanda se equilibrarão e não haverá inflação.

Quanto à dívida pública interna, ela só se torna uma perturbação para a economia no caso de incidir sobre ela taxas de juros monstruosas, como as impostas à economia por Campos Neto. Se a taxa real de juros for relativamente baixa, como acontece em todos os países relevantes do mundo, exceto o Brasil, a produção é estimulada, o emprego e a renda aumentam, e a oferta e demanda no mercado se equilibram, eliminando pressões inflacionárias.

Com uma informação econômica deficiente, resultante de sua formação em universidades neoliberais norte-americanas, o presidente do Banco Central se filia ao monetarismo, uma doutrina econômica ultrapassada inventada há décadas pelo economista Milton Friedman. Segundo essa teoria, a inflação é resultante de um desequilíbrio entre oferta insuficiente de bens e serviços no mercado, e demanda monetária alta. Até aí tudo bem. A estupidez é o que vem em seguida. Segundo Friedman, para restabelecer o equilíbrio, é preciso cortar na demanda monetária, aumentando a taxa de juros.

Cortar na demanda significa desestimular a produção. Desestimular a produção, mediante o aumento da taxa de juros, significa reduzir a oferta de bens e serviços no mercado e reduzir o emprego. Reduzir o emprego é o pior que se pode esperar de uma política anti-inflacionária, em termos sociais. Ou seja, quando faz uma política contra a inflação aumentando a taxa de juros, Campos Neto corta diretamente na oferta e prejudica os pobres, pois os empresários se sentem desestimulados a investir e criar empregos. Isso, acaso, é uma boa política social?

Há um caminho alternativo para combater a inflação? Eu chamo esse caminho de “economia da produção”, conforme escrevi no meu último livro, “A Economia Brasileira Como Ela É”. Isso é o que fazem os chineses e outros países desenvolvimentistas. Operando com taxas de juros suficientemente baixas, eles estimulam a produção e, consequentemente, a oferta. Dessa forma, equilibram eventuais pressões inflacionárias resultantes de um aumento da demanda monetária no mercado.

A lição que se pode tirar disso é que a inflação não é um fenômeno estritamente monetário. É basicamente um desequilíbrio físico entre oferta e demanda de bens e serviços no mercado real, pelo que sabemos desde os primórdios dos estudos econômicos. Portanto, a ideia de que a inflação se deve primordialmente ao excesso de dinheiro no mercado, resultante do déficit/investimento público, não passa de uma teoria oportunista, que só interessa a financistas que se beneficiam de taxas de juros altas.

Por outro lado, a forma como Campos Neto justifica suas taxas de juros extremas é se basear em expectativas inflacionárias de um mercado que se beneficia delas, fazendo estimativas de juros e inflação futuros. Isso é uma farsa. Não tem relação com o mercado real. Não tem relação, por exemplo, com choques de oferta: em algumas circunstâncias, como nos anos 70 do século passado, choques dos preços do petróleo e das taxas de juros norte-americanas fizeram a inflação explodir por causa da alta de custos, sem relação direta com o mercado financeiro e suas expectativas.

Infelizmente, o sabotador infiltrado no governo poderá custar a metade do mandato de Lula. Tirá-lo agora seria impossível, porque a concessão de um mandato de quatro anos para ele no governo Bolsonaro foi feita justamente para criar embaraços a qualquer presidente progressista que viesse suceder o predecessor fascista. A composição do Congresso, majoritariamente retrógrada, também é um problema.

Nesse caso, porém, talvez Lula seja capaz de estabelecer um caminho de governabilidade com progresso social, embora nada indique que Campos Neto queira isso.

Banco Central. (José Cruz/ABr)

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JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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