Por Miranda Sá –
“Uma vez li que, quando olhamos para o nosso passado, podemos ver uma linha narrativa, uma ordem ou um plano, como se fosse algo gerado por uma força invisível” (Gisele Bündchen)
Escrevi anteriormente o artigo “PILULAS” confessando-me um acumulador obstinado de anedotas históricas, pensamentos, provérbios e causos do cotidiano, que passo adiante quando tenho oportunidade para isto…
Faz tempo que guardei uma curiosa história ocorrida na década de 1959 no Egito, quando a Secretaria de Antiguidades Faraônicas convocou arqueólogos, cientistas, historiadores e a imprensa para participarem da incrível experiência de aspirar o perfume que era usado pela rainha Cleópatra.
A essência era concentrada como aqueles defumadores indianos, comprimidos em tabletes. Quebrado um deles e atirado a um braseiro, provocou uma fumaça azulada exalando um odor agradabilíssimo, embriagador. Um jornalista presente não se conteve e soltou uma provocação: – “Foi com este aroma entorpecente que Cleópatra enlouqueceu César! ”…
Nenhuma das personalidades presentes e também sensíveis ao odor aspirado, ensaiou comentar a óbvia conclusão do repórter; e a obviedade é a comprovação incontestável através dos sentidos.
Esta narrativa nos mostra como o faro jornalístico é capaz de recuar 2.000 anos para explicar o motivo que levou o imperador romano à paixão enlouquecedora pela rainha egípcia. E reforça a minha opinião de que o jornalismo é vocação; não há escola nem professor capazes de fazer um bom profissional. Talento não se vende em hortifrúti como chuchu e abobrinha.
Por outro lado, a narrativa não menos talentosa na literatura, traz enredos atraentes, com protagonistas bem situados no tempo e no espaço encenando histórias curiosas e ilustrativas.
Umberto Ecco diz que a gente quando lê um romance o enredo nos leva a pensar que a narrativa é verdadeira e faz crer que havia uma mulher que se chamava Madame Bovary e um homem que se chamava Raskolnikov…
O verbete Narrativa é um substantivo feminino originário do verbo latino narro, as, āvi, ātum, āre, ação, processo ou efeito de contar, expor, dar a saber.
Na Literatura temos os contos, as crônicas, as fábulas e as novelas, cada um dos estilos desenvolvendo uma fórmula diferente, para exprimir a realidade ou uma ficção, um tema do dia-a-dia, mensagem de cunho moral ou fatiada em capítulos girando em torno de um personagem como muito sabe fazer o Aguinaldo Silva…
Ao longo da vida constatamos, porém, que as exposições ao passarem de boca a ouvido, de geração a geração, caem como uma luva no ditado popular: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Aprendemos que coisas reais passam a ser fantasiosas conforme as palavras e as imagens usadas na narrativa.
Os acontecimentos emitidos são descritos de forma diferente por cada um dos narradores e igualmente diferenciados pelos que recebem a descrição. Verificamos também, com experiência, que encontramos no discurso político a dialética da ilusão e do logro.
Todos os agentes políticos são assim? Não. Há raras e honrosas exceções. Mais tarde, a História irá expor os acontecimentos da nossa época que poderão ser reais, registrando os bons; ou, episódios imaginários baseados em pesquisas de jornais; e assim todos serão absolvidos…
Na minha narrativa, porém, são imperdoáveis os profissionais da política que atuam contra a Pátria. Na segunda-feira pestilenta em que a Bovespa teve uma queda recorde e o dólar foi ao mais alto patamar, pelo coronavírus e o petróleo, eles alegraram-se e torceram para que a situação piorasse. Renovou-se o malogro econômico e de novo as aves de mal agouro grasnaram contentes.
Não me lembro, mas parece que foi o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, quem disse que “a História contará sobre as nossas ações, e não das nossas boas intenções”.
Quanto a nós, humildes observadores de uma época, resta-nos reconhecer que nem toda narrativa é feita abertamente, fica invisível mesmo que nos esforcemos em defender que tudo deve ser dito com destemor.
MIRANDA SÁ é jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
MAZOLA
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