Redação

A presença do presidente Jair Bolsonaro na manifestação pró-intervenção militar em frente ao Quartel General do Exército, no último domingo (19), fez muito barulho. Provocou o repúdio de políticos e outras autoridades, como ministros do Supremo Tribunal Federal e representantes de entidades da sociedade civil, e a apresentação de denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF).  Mas o grito dos manifestantes não deve reverberar nas Forças Armadas, segundo oficiais do Exército ouvidos pelo Congresso em Foco. Um deles afirmou que esse tipo de medida, no momento, poderia ter consequências trágicas devido à polarização política.

“Eu não vejo nenhuma possibilidade de dar um golpe com as Forças Armadas e elas serem apoiadoras de uma ‘ditadura Bolsonaro’. O Brasil tem instituições, tem problemas. Mas as instituições funcionam, precisam e sempre precisarão de aperfeiçoamento. Isso é normal. Tem que apresentar plano de melhoria das instituições”, disse ao site o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro.

General de divisão da reserva do Exército, Santos Cruz é uma voz respeitada dentro das Forças Armadas. Antes de virar ministro, foi comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo e secretário nacional de Segurança Pública. Foi demitido por Bolsonaro após ataques do chamado grupo ideológico, liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente.Aperfeiçoar as instituições, na opinião de Santos Cruz, não é restringir a atuação das instituições democráticas, mas melhorar o nível dos políticos e os critérios para candidatura. Barrar quem tem processos ou condenações na Justiça por mau uso do dinheiro público, por exemplo. Para o general, não se justifica a tese defendida por bolsonaristas de que o presidente tem sido sabotado pelo Congresso e impedido de governar. Tese essa usada para justificar uma intervenção.

Os problemas que Bolsonaro enfrenta para governar e atribui ao Congresso são produzidos, segundo o ex-ministro, dentro do próprio governo. “Tem como administrar o coronavírus na parte da saúde e suas consequências econômicas, mas não é brigando com todo mundo. É só liderança e calma. Crise política, todo o dia tem um conflito diferente com origem no governo ou nos seus apoiadores mais fanáticos familiares e amiguinhos. A sociedade tem que viver em paz e não nessa esquizofrenia política”, observa Santos Cruz.

Ministro da Defesa, o general do Exército Fernando Azevedo e Silva afirmou nessa segunda, por meio de nota, que as Forças Armadas estão concentradas no combate ao coronavírus e são cumpridoras da Constituição Federal. “As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”, destacou Azevedo e Silva.

Coronel reformado do Exército e chefe de comunicação social do influente Clube Militar do Rio de Janeiro, Ivan Cosme Pinheiro considera que o Congresso tem dificultado a atuação de Bolsonaro, criando dificuldades para a governabilidade e impedindo a aprovação de propostas consideradas importantes pelo Executivo. Mas, a exemplo de Santos Cruz, ele considera que não há condições nem apoio entre os militares para uma eventual intervenção.

Ressaltando que dava sua opinião pessoal, e não como porta-voz do clube, o coronel disse que a maioria das pessoas que faz esse tipo de pedido desconhece sua complexidade. “Não é botar um carro do Exército na rua e pronto”, afirmou ao Congresso em Foco. “O Exército nos livrou do comunismo em 1964. Mas dez anos depois os militares já eram questionáveis. Será que os militares querem se jogar numa empreitada dessa?”, questionou.

Para Ivan Cosme, as consequências de uma eventual intervenção poderiam ser trágicas no Brasil de hoje, dada a polarização política.  “Tem um complicador internacional muito grande. O mundo vive uma época do politicamente correto. Intervenção soa, até pela ideia difundida pela esquerda, como algo errado. O risco imediato é de fuga de capital e de investimento. Outro ponto a se pensar é que, em um país polarizado, como está o Brasil, as consequências de uma intervenção poderiam ser trágicas”, ressaltou. “Quem quiser dar o start disso aí tem de pensar muito”, completou.

Segundo o coronel, as Forças Armadas são vistas de maneira deturpada por parte da sociedade. “Nossa formação é muito legalista e, a cada dia, mais humanista. Fomos criados dentro do regime democrático e nossa intenção é viver no regime democrático”, disse. “A visão de parte da sociedade é errada. Somos muito mais legalistas. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica talvez sejam as instituições mais democráticas do país. Fiz todos os cursos da carreira militar. Em todos eles, a ideia era justamente democracia, democracia, isso entranha em você”, ressaltou o oficial, ex-professor da Fundação Getúlio Vargas.

Em seu primeiro mandato de deputado federal, o General Girão (PSL-RN) é amigo do presidente Jair Bolsonaro desde o tempo em que ambos serviram na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), no Rio na década de 1970. Girão postou no Twitter, no domingo, a imagem de uma onça bebendo água na selva com a frase que remetia literalmente à foto, o que levantou questionamentos sobre a posição do deputado em relação a uma possível intervenção militar.

“Sou contra, sempre fui contra e continuarei sendo contra. Não vejo clima para intervenção”, disse o general reformado de Brigada do Exército ao Congresso em Foco. “Apenas considero como justa e legítima a vontade de um grupo de pessoas de ir às ruas e demonstrar sua indignação com o que está sendo feito em relação a alguma uma coisa”, ressaltou.

Girão participou no domingo de um protesto em Natal. Mas a carreta, segundo ele, limitava-se a pedir a reabertura do comércio, fechado como medida preventiva ao novo coronavírus. Em consonância com o pensamento de Bolsonaro, o deputado defendeu a volta da população ao trabalho e o isolamento diferenciado para idosos e pessoas com doenças preexistentes, consideradas mais expostas à covid-19, e o uso generalizado de máscaras.

Para o deputado, os protestos do fim de semana demonstram que a população, a exemplo de 2018, não aceita uma “governabilidade à base de pressões e indicações”. Girão diz que as decisões na Câmara estão concentradas nas mãos do presidente Rodrigo Maia e dos líderes partidários e que os demais parlamentares não são ouvidos na definição da pauta legislativa. “Pedimos que se pautasse a destinação dos recursos do fundo eleitoral para o combate ao coronavírus. O presidente da Câmara nem colocou em votação. Um absurdo. O que se viu nesse domingo foi uma grita da sociedade”, disse o deputado, citando uma proposta que ganhou corpo principalmente entre os apoiadores de Bolsonaro.

A crítica feita a Maia por Girão não é compartilhada pelo outro general deputado. Oficial reformado do Exército e coordenador das candidaturas de militares nas eleições de 2018, o General Peternelli (PSL-SP) considera positivo o trabalho feito pela Câmara e o seu presidente, como mostrou o Congresso em Foco nessa segunda. “Vejo que a Câmara desenvolve um trabalho democrático. Gosto do trabalho da Câmara como um todo”, disse o parlamentar paulista ao Congresso.

Para Peternelli, falar em medida de exceção neste momento e promover manifestações a favor da intervenção militar é um desserviço à sociedade.

“O momento não era para ter aglomerações, no meu ponto de vista, porque a pandemia ainda preocupa. Quanto menos polemizar agora, melhor. Há aqueles que acham que o Rodrigo Maia quer dar o golpe e outros começam a defender o impeachment do presidente da República. Não há motivo nem para AI-5 nem para impeachment”, afirmou. “E não tem respaldo para nenhuma das duas coisas no contexto atual. O momento é de se concentrar no combate ao coronavírus. Falar em medida de exceção [como a volta do AI-5] agora não contribui”, acrescentou o general deputado.

> As Forças Armadas, a democracia e Bolsonaro. Entenda os bastidores


Fonte: Congresso em Foco