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Nada é mais perigoso do que o silêncio – por Lincoln Penna
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Nada é mais perigoso do que o silêncio – por Lincoln Penna

Por Lincoln Penna

Ao escrever este artigo, cujo título foi retirado de um dos ensaios do escritor português Miguel Sousa Tavares, em seu livro “Não te deixarei morrer, David Crockett”, o fiz para que reflitamos sobre o quanto é nocivo silenciar diante de seguidas ameaças. Em qualquer situação, salvo naquelas em que somos amparados constitucionalmente ou por convicções que honramos, o silêncio pode ser cúmplice de uma conivência passiva.

Esse perigo é cada vez mais presente em razão de nossas relações sociais terem se refugiado nas redes de interação mediante o uso exagerado de seus aplicativos, que jorram todo tipo de manifestação compartilhadas que pretendem ser públicas mas só atingem as bolhas seletivas. Em muitos casos, seus praticantes se sentem participantes ativos da vida política de um país sob constante instabilidade de toda sorte.

Tal como nas relações afetivas, o dizer, o manifestar carinho, amor e afeição, são tão necessários quanto o estar junto de uma pessoa querida. Todavia, não basta estar junto. É preciso manifestar o prazer de uma companhia, assim como não é suficiente expressar via os meios midiáticos a defesa, por exemplo, da democracia diante de perigosos indícios de intentos antidemocráticos. A participação precisa ser retumbante, e ela só ganha essa dimensão na amplitude dos espaços públicos, pois o povo só é povo quando se junta fisicamente para defender-se diante das ameaças sombrias.

A intentona malsucedida do dia 8 de janeiro de 2023 não encerrou o perigo que nos ronda. Se isso deve merecer a nossa atenção e não ser visto como uma manifestação de alguma teoria da conspiração então é preciso que estejamos atentos e fortes para se evitar que as novas tentativas golpistas venham a ter vez. Afinal, estamos a viver tempos de insegurança mundialmente representados pelas crises e guerras localizadas, porém com reflexos generalizados.

Contudo, é bom salientar que a disposição para impedir retrocessos de consequências inimagináveis tem se feito presente, haja vista a crescente e bem-sucedida denúncia contra os golpistas na passagem dos sessenta anos do golpe de 1964. Tanto na imprensa, seja de forma comedida ou não, no cinema a retratar o crime perpetrado contra o deputado Rubens Paiva no excelente filme “Ainda estou aqui”, baseado no livro memorialístico de Marcelo Rubens Paiva, e a sua repercussão mundo afora fortalecem a defesa das instituições democráticas, bem como a garantia da continuidade dos processos e práticas democráticas.

Foto de arquivo de Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, ex-deputado desaparecido na ditadura militar. (Reprodução/Instituto Vladimir Herzog)

O silêncio baseado na certeza de que os mais recentes golpistas foram definitivamente derrotados é, na verdade, uma avaliação errônea. Paira sobre todos nós democratas brasileiros a constante ameaça de retrocessos impulsionada por uma cultura política tendencialmente conservadora e reativa a mudanças estruturantes, como já tivemos oportunidade de conhecer não faz muito tempo. As sucessivas tentativas exitosas e frustradas ao longo de nosso regime republicano é um exemplo de que cautela e clado de galinha não fazem mal a ninguém, sobretudo a quem aposta que dias melhores virão. Para isso, é preciso estar falante, mesmo que por vezes demasiadamente.

Para estarmos mais vigilantes vale repercutir os avanços, ainda que pequenos comparados com as nossas expectativas, e reverberarmos tanto quanto possível dentro e fora das redes sociais. De preferência até fora, como antes da internet era feito para que fossem comunicados feitos de compatriotas comprometidos com as boas causas na defesa dos interesses nacionais e populares.

Manifestação no Rio de Janeiro em 1968 (Foto: Arquivo Nacional)

Em todas as ocasiões manter o silêncio pode corresponder a uma dor cujo superação se faz com o tempo ou quando somos tomados pela surpresa de uma atitude que nos incomoda de alguém que nãos esperávamos, ou ainda instados a denunciar quem quer que seja contra o qual não devemos nem temos o direito de moralmente fazê-lo. Fora essas poucas situações, todas as demais, inclusive a que nos afeta direta ou indiretamente temos o dever de cidadania de verbalizar as nossas justas reações de indignidade ou de destemor em face da violação de direitos humanos e sociais.

Por fim, o silêncio obsequioso não é nem deve ser entendido como uma atitude respeitosa no âmbito do convívio social, sobretudo quando esse silêncio constrange o nosso bem-estar ao dar lugar a comportamento violentos, truculentos e necessariamente antidemocráticos. Nesses casos, a nossa voz tem de ser ouvida.

Calarmos diante de um perigo que abrigue prepotências que venham a ferir de morte o processo de expansão das práticas democráticas é uma atitude que nos impede de vislumbrar novos horizontes na aventura do ser humano em busca da felicidade.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Secretário Geral do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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