Por Helio Fernandes –
Pelo menos nos últimos 10 anos, tenho sido questionado pelo fato de ser amigo de Carlos Lacerda e mais tarde também de Brizola. Os dois, ferrenhos inimigos, que jamais se falaram ou concordaram em se encontrar, mesmo depois de conversarem.
Brizola fez toda a carreira no seu estado, começou como deputado estadual, depois prefeito de Porto Alegre, governador, nome nacional com a “Liga da Legalidade”. Só veio ao já Estado da Guanabara em 1962 para se candidatar a deputado federal, apesar de ainda governador.
Lacerda governava o estado, Brizola foi eleito com votação impressionante. De cada 10 votos, 2 eram dele. Voltou para o RS, reassumiu o governo. Quando terminou o mandato, tomou posse na Câmara, mas em Brasília. Eu combati a mudança da capital para Brasília, considerava “catástrofe nacional”, foi e continua sendo, tragédia irrefutável e irrevogável. E raramente ia lá.
Logo veio a ditadura de 64, Brizola foi cassado, caçado, perseguido. Para sobreviver teve que sair do Brasil, só voltou com a farsa da “anistia ampla, geral e irrestrita”. O objetivo era salvar os generais torturadores,que praticaram arbitrariedades, prisões, assassinatos, durante 21 anos.
Dominando a ditadura que Bolsonaro garantiu que não houve. Mas foram obrigados a permitir a volta de asilados e exilados. Chegaram então Prestes, Arraes, Brizola, Marcio Moreira Alves, Hermano Alves, todos que passaram dezenas de anos fora do Pais.
Um dia eu estava no jornal, (minha segunda casa durante 46 anos, de 1962 a 2008, eu disse que jamais sairia do país, apesar de respeitar os que saíram) me avisam da portaria: “O governador Brizola está aqui, quer falar com o senhor”. Não tinha escolha ou opção, mandei que subissem com ele.
Foi logo me dizendo: “Cheguei ontem, minha primeira visita é esta, considero que é obrigatória, por tudo o que você representou e representa”. (Quando lancei o manifesto da Frente Ampla, Carlos Lacerda resolveu ir a Montevideo conversar com Jango. Me convidou pra ir com ele, não tive autorização para sair do país. Esteve com Jango, depois me contou: “O jornalista Helio Fernandes não vinha com o senhor?”. Lacerda explicou a razão, Jango respondeu: “Todos os dias chegam aqui 50 ou 60 exemplares da Tribuna, disputados por todos, somos mais de 100. Temos a maior admiração pela luta do jornalista. Não sabemos como ele pode resistir tanto sem nenhuma concessão”.)
Voltemos a Brizola. A partir desse primeiro encontro, construímos um relacionamento político e uma ligação pessoal, efetiva e produtiva. Brizola fez uma nova carreira política no Rio, passou a ser um cidadão duas vezes governador, por dois estados diferentes.
Um dia como governador do estado da Guanabara, me convidou para ser candidato a senador. Não pude aceitar. Já tinha um convite de Tancredo Neves, ainda não presidente da República. Mas em 1985 ofereci um grande jantar ao presidente eleito e ainda não empossado (quem era quem estava na minha casa). Quanto ao convite, tive que recusar também.
Eu e o Brizola, construímos um relacionamento político e pessoal. Passamos madrugadas na sua casa, conversando e tomando o que ele chamava de café gaúcho, que eu nem sabia que existia e passei a gostar. Brizola fora da política era um excelente personagem.
Nos últimos 10 anos sem ele, passei pelo menos metade desse tempo explicando em todos os lugares como é que eu consegui ficar amigo de dois inimigos. A partir do meu atropelamento fiquei ilhado em casa e recebo telefonemas e mensagens com a mesma pergunta.
A resposta é sempre a mesma: tínhamos a conexão e a convicção dos combatentes que não saem da trincheira, na qual se sentem admiravelmente situados.
Só para terminar estas lembranças. Carlos Lacerda morreu em 1977. Brizola voltou para o Brasil em 1979. Como os dois tinham verdadeira obsessão para ser presidente da República. Nada disparatado que talvez se encontrassem como adversários numa disputa presidencial. O destino constrói e destrói fatos que acontecem ou não acontecem sem a participação de ninguém.
PS- Até hoje não consigo responder: fui mais amigo de Lacerda ou de Brizola? Com Lacerda, muito mais demorada e intensa, porque nós dois existíamos política e jornalisticamente, na mesma cidade.
PS2- Com Brizola relacionamento excelente, mas muito mais rápido, por causa da separação imposta pela ditadura.
Publicado dia 26/07/2019 no blog do jornalista Helio Fernandes
MAZOLA
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Não vejo nenhum problema do senhor ter sido amigo de dois inimigos ferrenhos.
Nenhum dos dois era ladrão nem mau caráter.
O problema era dos dois. Não era problema seu.