Por Geraldo Pereira –
Poucos, pouquíssimos homens públicos foram tão úteis á humanidade, como o cientista Josué de Castro, nascido na cidade do Recife, conhecido e admirado nos quatro cantos do mundo.
Sua existência foi toda ela voltada para os mais humildes e necessitados, não só do seu Estado e da sua Pátria. A fome foi a sua grande preocupação, estudou-a profundamente e se tornou a maior autoridade mundial sobre esse problema.
Escreveu a Geografia da Fome, em 1946, editado pela Editora o Cruzeiro, dois anos mais tarde é a vez da Geopolítica da Fome, “um dos raros livros, consagrados simultaneamente nos EUA e na URSS”, traduzido em 33 idiomas.
Presidiu a FAO – Fundo das Nações Unidas para Agricultura, e por duas vezes de 1952 a 1956, foi seu presidente. A FAO, foi criada em Quebec – Canada, em 16/10/1945,
Em 1954 é indicado para concorrer ao Nobel de Medicina. Nesse ano também, se elege Deputado Federal, pelo seu Estado.
Por iniciativa da FAO, foi criado o Comitê Governamental da Campanha Mundial da Luta Contra Fome, Josué de Castro é eleito seu presidente.
As atividades e compromissos, dentro e fora do Brasil, não impediram o respeitável mestre de escrever seus novos livros, em 1957: O Livro Negro da Fome; Ensaios de Geografia Humana; Ensaio de Biologia Social. Funda a ASCOFAM – Associação Mundial da Luta Contra a Fome. Publica Sete Palmos de Terra e Um Caixão, escrito para o público americano e Homens e Caranguejos “O primeiro e único romance, espécie de autobiografia da infância em Recife”. Neste ano, conhece a China e fica impressionado com o plano do governo comunista do Mao Tse Tung.
Em 1970 é indicado para o Nobel da Paz, em 1972 ajuda a organizar a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente Humano, reunidos em Estocolmo (Suécia).
Josué de Castro estava em plena atividade na ONU, como embaixador do Brasil, quando tomou conhecimento do Golpe Militar, de Abril de 1964, e que os seus direitos políticos foram suspensos por dez anos. Estava proibido de regressar.
Dias após escreve à sua filha Ana Maria:
Minha filha (…) recebi, também, sua carta de parabéns pelo aniversário, a qual me deu grande alegria. Senti você toda, nessa carta. Nela você insiste no mesmo ponto, que a vida é para ser vivida com o bom e o mau, mas sempre com grandeza, nunca com mesquinhez, com
coisas pequeninas. Temos, pois, que reagir e a reação está se formando contra o exército de pigmeus, esse formigueiro de mediocridade, que hoje morde o Brasil, em toda a sua pele, com um apetite e uma ferocidade de formigas esfomeadas, mas que passam de formigas – cegas, agitadas, inconscientes do mal, que estão fazendo ao País, ao seu povo, ao mundo.
(…) Não sei o que fazer à distância, para ajudar esse povo. Talvez, tentar mostrar o mundo, que o Brasil não é apenas um país de vândalos, ineptos e insaciáveis de lucros e vinganças, mas, também, um pais onde há homens que pensam e que se sentem como criaturas humanas…
Precisa trabalhar. Seu saber era reconhecido internacionalmente. Recebeu dezessete convites de governos e universidades de diversos países para trabalhar e lecionar. Escolheu a França, onde lecionou nas renomadas instituições de ensino superior, como a Sorbonne e Vincennes, onde trabalhou até os seus últimos dias.
O calvário de Josué de Castro foi imenso, como escrito acima, estava proibido de regressar ao país, foram dez anos de muitas saudades, a vontade imensa de regressar à Pátria querida, de ver e conversar com os seus amigos, seus admiradores.
Viajou pelos quatro cantos do mundo, fazendo palestras, conferências. Não se conformava, nem poderia, com a cassação dos seus direitos políticos.
O seu biografo nos diz que, “O exílio representou um grande tormento para Josué de Castro, tendo sobre ele um efeito depressivo. Certa vez, ele disse no exterior a alguns amigos: ‘Não se morre só de enfarto ou glomero-nefrite crônica… morre-se também de saudade.’”
Embora sentindo-se doente e desanimado, Josué de Castro, imaginava poder voltar ao País e retomar as suas atividades, a partir de abril de 1974, quando se encerrava os dez anos da cassação dos seus direitos políticos. Havia solicitado, insistentemente, ao consulado brasileiro, a revalidação do seu passaporte e esperava ansioso.
No dia 24 de setembro de 1973, aos sessenta e cinco anos de idade, José de Castro foi encontrado morto, em sua casa pela sua esposa Glauce, dias depois, as instâncias da ditadura apresentavam à sua filha Ana Maria, uma peça burocrática de sabor kafkiano. Um militar vinculado ao Serviço Nacional de Informação – SNI, comunicava-lhe, em nome do seu chefe, que havia sido revalidado o passaporte e lamentava o ‘detalhe’ de o processo somente ter se concluído após ele não estar mais entre os vivos. Eis o documento:
Brasília, DF, 28 de setembro 73. Exma. Sra. D. Anna Maria de Castro Saudações. Incumbiu-me o Sr. General Fontoura de dirigir-lhe estas linhas. Trata-se da resposta que fiou de dar-lhe, pelo telefone, entretanto, O assunto estava sendo tratado no Itamarati. Só hoje foi possível a Resposta, aliás, favorável. Lamenta, por outro lado, o general que a resposta tenha sido tardia e apresenta, por meu intermédio, seus pêsames. Atenciosamente, Cláudio Barbosa de Figueiredo Cap. AJ 0 ch SNI
“Não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sabia, que travei conhecimento com o fenômeno da fome, o fenômeno se revelou espontaneamente aos meus olhos, nos mangues do Capibaribe nos bairros miseráveis nos bairros do Recife: Afogado, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta é que foi a minha Sorbonne: A lama dos mangues do Recife, fervilhando caranguejos, e povoada de seres humanos, feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo.
Criei-me nos mangues lamacentos do Capibaribe, cujas águas fluindo diante dos meus olhos, ávidos de criança pareciam estar sempre a me contar uma longa história.
Eu ficava horas e horas imóvel, sentado no cais, ouvindo a história do rio, fitando as suas águas correrem, como se fosse uma fita de cinema.
Foi assim que eu vi e senti formigar dentro de mim a terrível descoberta da fome. Da fome de uma população inteira, escravizada à angústia de encontrar o que comer.
Pensei a princípio, que a fome era um triste privilégio dessa área onde eu vivia – a área dos mangues. Depois verifiquei, que no cenário da fome do Nordeste os mangues era uma verdadeira Terra da promissão, que atraía os homens vindos de outras áreas de mais fome ainda.
Era um curso inteiro que eu fazia sobre a fome, quando via, com interesse sempre crescente, as intermináveis histórias, contadas por meu pai, sobre as agruras sofrida pela nossa família, na seca de 1877.”
Josué de Castro foi, também, presidente da Associação Médica Internacional, para o Estudo das Condições de Vida e Saúde (AMIEVE), e tomou parte, a convite de Jean-Paul Sartre ao lado Bertrand Russel, no Tribunal Universal de Julgamento das Atrocidades dos Estados Unidos da América do Norte no Vietnã.
Josué de Castro ganhou o Prêmio Internacional da Paz.
GERALDO PEREIRA é jornalista especializado em história política e sindical do Brasil, atuando por mais de 60 anos nos principais veículos de comunicação do país, ex-presidente do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e colaborador da Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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