Por Jorge Folena –
Nos últimos textos apresentados nesta coluna tenho tratado dos temas relacionados à memória e ao esquecimento; sendo este último empregado pela classe dominante brasileira como tentativa de impor um apagamento dos seus malfeitos e a negação das lutas de resistências do povo brasileiro, ao longo da formação do país até os dias de hoje.
Desde muito tempo tentam convencer o povo brasileiro de que ele é “cordial” e “pacífico”, lhe sendo dito que deve trabalhar para colaborar no progresso do país, como destacado pelo ideal positivista “ordem e progresso”, não por acaso posto na bandeira nacional quando da Proclamação da República (1889).
Naquele momento, a imposição desta filosofia, por meio de acordo das classes oligárquicas dominantes, visava criar uma barreira para impedir a rebelião da maioria da população brasileira, constituída por negros escravizados, que, mesmo após a abolição formal da escravidão (1888) continuaram a não ter direitos e, assim, foram submetidos a um permanente estado de discriminação, desigualdade e injustiça social.
Aquele ideal continua a justificar a manutenção de uma “ordem” repressora para o povo, a fim de que este não questione o “progresso”, sempre destinado a uma pequena minoria, que se enriquece às custas da exploração do trabalho e impede a mínima distribuição da riqueza nacional para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades nacionais”, como previsto na Constituição.
Assim, com seu lema “ordem e progresso”, determinado de cima para baixo, a classe dominante tenta retirar do povo brasileiro a noção de lutas de classes (que se tornou aqui uma expressão proibida) para mantê-lo inconsciente da brutal exploração a que está submetido desde os tempos da colônia.
Há quem diga, de forma indevida e desonesta, que os brasileiros são preguiçosos (herança dos povos indígenas) e malandros (herança dos negros escravizados), o que é repetido sistematicamente em livros, jornais e demais meios de comunicação social; sendo esta mentira assimilada por muitos indivíduos pobres, que apenas reproduzem sem questionar o que lhes dizem, sendo assim mantidos na ignorância.
A repetição constante dessas inverdades tem o objetivo de marginalizar a população, para mantê-la acorrentada numa posição de inferioridade e subalternidade, ainda colonial em pleno século XXI, de modo a justificar toda a violência estatal que recai sobre ela.
Por outro lado, quase nada é propagado a respeito das matanças dos povos originários, dos sacrifícios e crueldades impostos aos escravizado negros e sobre as diversas lutas populares de libertação que foram travadas pelo país ao longo de sua história.
A classe dominante promove, desde sempre, um constante apagamento da memória nacional, ao mesmo tempo em que procura exaltar como heróis homens que violentaram e mataram nossa população no passado; os mesmos que, nos dias de hoje, promovem o extermínio da juventude negra e pobre das periferias e comunidades faveladas, dos camponeses, quilombolas e grupos indígenas que lutam pela manutenção da posse de suas terras ancestrais e preservação da sua cultura.
Estas comunidades são apresentadas pela classe dominante como lugares de grupos selvagens e perigosos, em que vivem somente malfeitores e pessoas incapazes de construir o progresso e produzir qualquer história e cultura que sejam importantes para o desenvolvimento.
São constantes e muitas as mentiras propagadas contra o nosso povo, negro e pobre, o qual, mesmo explorado ao extremo, é produtor de resistência e capaz de grandes manifestações de solidariedade.
Temos um povo lutador, resistente e solidário, que diante das maiores dificuldades (como visto durante a pandemia da COVID-19, entre 2020-2021) é capaz de se organizar, mesmo de forma improvisada, para compartilhar o pouco que tem entre os que mais necessitam, a exemplo das distribuições de alimentos aos necessitados por todo o país, promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
No programa Soberania em debate (Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro) do dia 24 de setembro de 2021, houve a participação da professora Cláudia Rose Ribeiro da Silva, co-fundadora do Centro de Estudos e Ações da Maré (CEASM), organização não governamental, que, desde 1997, se dedica ao trabalho de construção da memória coletiva daquela comunidade, por meio do Museu da Maré, que constitui um espaço em que se conta a formação da comunidade, o dia-a-dia e as lutas de um povo sempre em movimento, resistindo e buscando dias melhores, apesar de todas as dificuldades e da violenta repressão promovida pelo Estado.
É importante dizer que manifestações como essa, organizada na comunidade da Maré e em outras localidades espalhadas pelo país, constituem patrimônio cultural brasileiro, conforme a Constituição, na medida em que são portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade.
O Museu da Maré é apenas um exemplo, dentre outros, da capacidade de organização popular e da valorização das suas origens e memórias, que integram um valoroso patrimônio cultural e demonstram as potencialidades latentes nessas comunidades, que lutam todos os dias contra o racismo e o preconceito, ferramentas que justificam uma brutal e injusta concentração de renda, a perpetuar a perversidade de uma exploração secular, em que poucos se beneficiam das riquezas resultantes do trabalho da grande maioria.
JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.
MAZOLA
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