Por Luiz Carlos Prestes Filho

Para a candidata a prefeita do Rio de Janeiro, Martha Rocha: “A atual proposta da Reforma Tributária, apresentada pelo Governo Federal, coloca em risco a arrecadação das cidades, sou contra a retirada do Imposto sobre Serviços (ISS) da competência municipal.” Em entrevista exclusiva para o jornal Tribuna da Imprensa Livre, a candidata afirma: “Devemos investir no turismo, mas não descuidar da indústria, que oferece empregos mais bem remunerados. É preciso também utilizar melhor o posicionamento geográfico da cidade e a facilidade logística. A integração de todos os modais: ferroviário, rodoviário, naval marítimo e aeroportuário.” O grande desafio de seu mandato será a retomada do programa dos CIEPs:

“Nossa intenção é retomar os princípios fundamentais dos CIEPs no sentido de transformar as escolas em verdadeiros centros de convivência comunitária. A meta será elevar a oferta de ensino integral para 50% da rede municipal até 2024, acrescentando mais de 100 mil novos alunos ao regime integral.”

Martha da Rocha foi a primeira mulher na história a chefiar a Polícia Civil do Rio de Janeiro

Luiz Carlos Prestes Filho: Como a candidata vê a cidade do Rio de Janeiro no atual contexto do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil? Aconteceu uma expansão nacional e internacional nos últimos anos?

Martha Rocha: O País enfrenta uma grave crise econômica desde 2015. O cenário internacional também é bastante desfavorável, ainda mais depois da pandemia do novo coronavírus. Mas os últimos governos do Estado do Rio de Janeiro e da Capital parecem ter se esforçado bastante para agravar a situação ainda mais por aqui. Deixamos passar uma grande janela de oportunidades aberta pela realização dos grandes eventos entre 2007 e 2016. Infelizmente, a corrupção generalizada e a má gestão não permitiram que os bilhões investidos se traduzissem em qualidade de vida e fortalecimento da economia local.

Prestes Filho: O que permite o Rio de Janeiro se destacar? Como cidade da indústria? Como cidade de serviços? Como centro da região metropolitana?

Martha Rocha: O Rio deve diversificar sua agenda, atuar em todas as frentes. Devemos investir no turismo, mas não descuidar da indústria, que oferece empregos mais bem remunerados. É preciso também utilizar melhor o posicionamento geográfico da cidade e a facilidade logística. A integração de todos os modais: ferroviário, rodoviário, naval marítimo e aeroportuário. E a cidade precisa ter uma agenda voltada à nova economia, à indústria criativa e sustentável. Também, devemos aproveitar a enorme capacidade técnica e científica instalada aqui. As universidades e os centros de pesquisa devem ser integrados a um novo plano de desenvolvimento municipal.

Prestes Filho: As políticas de Meio Ambiente deveriam orientar as políticas de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Econômico?

Martha Rocha: Sim, com certeza. No nosso governo, o Rio caminhará para se tornar uma cidade sustentável, trabalhando decididamente para o cumprimento da agenda 2030. Nossos programas e projetos estarão alinhados aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e às 169 metas da agenda da ONU. A cidade passará a exercer um papel ativo e de liderança na luta em favor da adaptação das cidades às mudanças climáticas e construção de cidades resilientes no Brasil. Criaremos o Comitê Rio Cidade Resiliente, que será responsável pelo planejamento e monitoramento dos programas e projetos transversais de adaptação da cidade do Rio às mudanças climáticas em todas as áreas: planejamento urbano; mobilidade; infraestrutura; habitação; educação; desenvolvimento; defesa civil; gestão e inovação.

Martha Rocha no heliponto da sede da polícia civil, no centro do Rio de Janeiro (crédito: Jorge Bispo)

Prestes Filho: Deveriam ser realizados investimentos para consolidar a vocação do Rio no campo da ciência, da tecnologia e da inovação? O poder municipal poderia colaborar para fortalecer as universidades e os centros de pesquisas científicas?

Martha Rocha: Um dos nossos principais projetos é, inclusive, voltado para esta integração entre o polo industrial e as instituições científicas, que são referências nacionais e internacionais e um patrimônio de alta relevância para a ciência brasileira. O Novo Complexo Industrial da Saúde ligará o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (Cibs), já em construção no Distrito Industrial de Santa Cruz, à rede de instituições de pesquisa na área da saúde, como a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vamos incentivar a ampliação da capacidade de produção de suprimentos (como máscaras cirúrgicas), vacinas e equipamentos (como respiradores desenvolvidos com tecnologia produzida pelas universidades do Rio). A prefeitura vai incentivar a atração de novas empresas. Projetamos a criação de aproximadamente 25 mil empregos entre diretos e indiretos no projeto.

Prestes Filho: As políticas de controle da ocupação do território da cidade estão adequadas e atualizadas? Quais impedimentos ainda existem do seu ponto de vista fundiário?

Martha Rocha: O Rio virou uma tragédia urbana, com crescimento irregular, muitas vezes feito por grupos criminosos, sem qualquer controle público e em total desrespeito ao Plano Diretor da Cidade e ao meio ambiente. Precisamos assegurar a regularização fundiária para habitações já consolidadas e combater a expansão ilegal de ocupações urbanas, que muitas vezes se dão em prejuízo ao meio ambiente e atendendo aos interesses das milícias, por exemplo, como foi o caso do desabamento da Muzema, que matou 24 pessoas em um edifício construído sem que houvesse fiscalização da Prefeitura. Tanto do atual prefeito como do anterior. É preciso aumentar a capacidade de fiscalização dos novos empreendimentos imobiliários. Além disso, a Prefeitura precisa voltar a contar com uma política habitacional digna, investindo em planos de urbanização das favelas cariocas.

Na DGPE (Delegacia Geral de Polícia Especial). Em 1993, onde era Diretora (arquivo pessoal)

Prestes Filho: A política municipal apresenta novos desafios para os próximos anos? Quais serão as prioridades do seu governo? O governo de uma mulher no Rio de Janeiro pode fazer diferença?

Martha Rocha: Esta pergunta já foi feita a um homem? Sabemos os problemas que os governos de dois homens causaram à cidade nas últimas administrações. Somos 2.654,315 mulheres eleitoras que responderão por 54,7 % dos votos que elegerão a primeira prefeita da história do Rio de Janeiro. E minha primeira ação será abrir a caixa preta e auditar contas, contratos e serviços. Precisamos de um modelo de gestão essencialmente democrático, transparente e aberto à participação ativa da cidadania em todas as etapas do desenvolvimento das políticas públicas. Este será o desafio e a meta do meu governo.

Martha Rocha no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, a tradicional Feira de São Cristóvão

Prestes Filho: Quais são as propostas para Saúde Pública? A Prefeitura estava preparada para enfrentar a pandemia da Covid 19?

Martha Rocha: Nenhum país no mundo estava preparado para enfrentar a pandemia da forma como ela chegou. Foram necessárias medidas urgentes de ampliação de rede e de distanciamento social, higienização e uso de máscaras, para tentar conter a propagação do vírus. Mas, independentemente da Covid, a saúde pública do Rio já estava em colapso. A cidade recebeu rios de dinheiro público e privado, mas a saúde não foi prioridade para o prefeito à época. Vamos modificar este modelo de Organizações Sociais (OS) que foi implantado, de forma irresponsável e, em alguns casos, criminosa. Não serei irresponsável de, no primeiro dia, tirar todas as OSs. Mas vou trabalhar para que aconteça, gradualmente, no decorrer do mandato. Até porque, a justificativa para a contratação de OSs era a impossibilidade de contratar novos servidores devido ao teto de gastos com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas, esse argumento já não é mais válido, desde quando a Secretaria do Tesouro Nacional, determinou que os gastos de pessoal das Organizações Sociais sejam incorporados ao cálculo das despesas de pessoal em 2021. Então, à medida que ajustarmos os gastos, cortando na carne a corrupção, e melhorarmos as receitas, vamos fazer concursos para repor estes quadros por meio da Empresa Pública Rio Saúde.

Martha Rocha (PDT) e o vice Anderson Quack (PSB)

Prestes Filho: No campo da Educação, como realizar a volta para o ensino integral? A proposta de retomada dos CIEPs construídos pelo Brizola é viável? Como será?

Martha Rocha: A retomada do programa dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) não é só viável como extremamente importante para a melhoria da qualidade de ensino e desenvolvimento do Rio. A expansão vai acontecer por conta do aumento dos investimentos em ensino integral e por meio do mapeamento e da ocupação de infraestrutura local disponível nos bairros (quadras, piscinas e equipamentos culturais ociosos ou subutilizados). Vamos realizar parcerias com o setor privado e instituições da sociedade civil e, assim, viabilizar a realização de atividades culturais e esportivas. Nossa intenção é retomar os princípios fundamentais dos CIEPs no sentido de transformar as escolas em verdadeiros centros de convivência comunitária. A meta será elevar a oferta de ensino integral para 50% da rede municipal até 2024, acrescentando mais de 100 mil novos alunos ao regime integral.

Prestes Filho: Hoje os gestores públicos realizam programas voltados para a Mulher. Como melhorar as políticas públicas nesta área importante? Como vencer a violência contra a mulher?

Martha Rocha: As políticas voltadas para a mulher serão prioritárias no meu governo, na Saúde, na Educação e no Desenvolvimento Social. Só para citar um exemplo da gravidade da situação feminina, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam que 38,59% de jovens mulheres não estudam e nem trabalham. Entre os homens, o percentual é de 18,56%. Por causa de uma eventual dependência econômica, elas estão mais sujeitas à violência doméstica. Vamos colocar em prática políticas de empoderamento feminino, com ações e projetos voltados para a emancipação, qualificação profissional e aumento da escolaridade nos locais de maior vulnerabilidade social. No caso da saúde das gestantes, vamos humanizar e melhorar o atendimento na rede, para reduzir a mortalidade materna que é muito alta na cidade do Rio de Janeiro.

Sendo homenageada na Academia de Polícia (arquivo pessoal)

Prestes Filho: O Esporte ocupa um espaço estruturante no seu plano de governo?

Martha Rocha: Com certeza. Extremamente importante, além de ser uma vocação natural da cidade. Vamos criar, em parceria com a iniciativa privada, o Bolsa Atleta Rio, destinada a estimular a profissionalização de atletas que tenham se destacado no âmbito dos objetivos da Política Municipal de Esportes. Os atletas bolsistas terão que desenvolver, em paralelo aos treinamentos, atividades educativas na rede municipal de ensino e participar de eventos esportivos promovidos pela prefeitura. Também vamos investir nos Centros Esportivos Municipais, garantindo o acesso a atletas amadores e profissionais com suporte de profissionais especializados nas diversas atividades esportivas. Vamos retomar e ampliar os projetos das Vilas Olímpicas, mobilizando as secretarias de esporte, educação e saúde. E, também, estabelecer, em parceria com a Empresa Municipal de Turismo (Riotur) e a Secretaria Municipal de Turismo, um amplo calendário de eventos esportivos para a cidade, no pós-pandemia, para atrair ainda mais turistas e esportistas de todo o Brasil.

Martha Rocha (arquivo pessoal)

Prestes Filho: A parceria com a iniciativa privada é uma prioridade? Como o gestor público pode colaborar com a valorização das marcas e das empresas do Rio nas áreas: metal mecânico; computação; comércio; química; turismo; produção rural; transporte; serviços culturais; outras? O carnaval merece maior atenção?

Martha Rocha: Vamos incentivar parcerias em várias áreas: turismo, cultura, infraestrutura, entre outras. E a Prefeitura do Rio precisa valorizar a produção local em suas compras e contratação de serviços. Nosso programa prevê também a realização de ações coordenadas com o setor privado em várias áreas. Na educação, por exemplo, podemos ampliar a oferta de vagas em creches, no curto prazo, acionando a rede privada. Na saúde, podemos aumentar rapidamente a oferta de leitos, com a regulação de leitos de forma mais dinâmica e em parcerias com a rede privada. E em relação ao carnaval, temos uma plataforma bastante abrangente, que passa pelo reconhecimento do valor simbólico e econômico do carnaval. Trata-se de nossa maior festa e de um enorme ativo econômico para a cidade, com atividades durante o ano todo.

Nos tempos que trabalhava ainda como escrivã, em 1988 (arquivo pessoal)

Prestes Filho: Sua família sempre teve tradição na política? Conte sobre seu pai e sua mãe, sobre sua família.

Martha Rocha: Nunca. Eu sou filha de uma família simples de imigrantes portugueses, moradores da Penha, donos de padaria. Pessoas simples, meus pais só estudaram até a quarta série, mas eu e minha irmã somos frutos de muito amor, crescemos cercadas de cuidado. Lembro que quando a minha irmã se formou, ela foi a primeira pessoa da família a frequentar uma faculdade, foi uma vitória para eles. Minha mãe, agora, aos 90 anos, é meu grande apoio neste desafio de me tornar prefeita da minha cidade.

Martha Rocha com a mãe, Maria Emília, e a irmã, Fátima (arquivo pessoal)

Prestes Filho: Como você iniciou na política? Como você vê o seu futuro?

Martha Rocha: Eu despertei para a política, no desempenho do meu trabalho como delegada. Atuando nas Delegacias de Mulher e buscando políticas públicas que pudessem amenizar o drama dessas mulheres tão abandonadas à própria sorte. Foi por isso que comecei a desenvolver meu fascínio pela política.

Prestes Filho: Você entende que o instituto constitucional das eleições é a base da democracia? A democracia é o sistema político que deve ser protegido e fortalecido?

Marta Rocha com o pai, católico, recebendo hóstia na missa (arquivo pessoal)

Martha Rocha: Sim, com certeza. Não existe caminho para a prosperidade, para a justiça social e para o desenvolvimento sustentável fora da democracia.

Prestes Filho: As forças progressistas teriam mais chances de vencer se estivessem unidas nessa campanha?

Martha Rocha: Acredito que sim, mas acredito que em razão do fim das coligações proporcionais, os partidos ficaram obrigados a lançar sua própria chapa para vereadores e sentiram necessidade de lançar também seus candidatos majoritários para puxar votos. Daí a dificuldade de união em torno de um mesmo nome no primeiro turno.

Martha Rocha (arquivo pessoal)

Prestes Filho: A reforma tributária pretendida pelo governo federal pode ter um impacto positivo para a prefeitura? Teria o mesmo peso que representaram as reformas da previdência e a trabalhista?

Martha Rocha: A reforma tributária é importante para o País. Nosso sistema hoje é caótico e representa uma barreira grave para o crescimento econômico e geração de empregos. Além de promover a redução de desigualdades, o sistema tributário tem que priorizar os princípios da simplificação, da transparência (para que o contribuinte saiba quanto e para quem está pagando impostos). É fundamental acabar com a guerra fiscal, que tanto prejudica nossa competitividade. Entretanto, algumas propostas que estão em discussão não contemplam itens da pauta municipalista. Além de colocar em risco a arrecadação das cidades. Sou contra a retirada do Imposto Sobre Serviços (ISS) da competência municipal. A simplificação pode vir com a união dos impostos federais e com a racionalização do ICMS. Isso já seria um grande avanço para o País.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).