Por Eduardo Carvalho –
Você chegou a imaginar que pudesse existir uma Academia Brasileira do Cárcere, a ABLC, onde escritores privados de liberdade e ex-detentos preencheriam as cadeiras que valorizam obras literárias?
Se não, mais que imaginar, já será possível a partir desta quinta-feira (18), com o lançamento da iniciativa que tem, como propósito, oferecer uma plataforma para que detentos e ex-detentos expressem suas vozes e compartilhem suas histórias, contribuindo assim para a diversidade e a riqueza da literatura nacional.
”A ideia de criar a Academia Brasileira de Letras do Cárcere nasceu da necessidade de dar opções de ressocialização. A partir da lei que permite a redução da pena através da leitura, os presos passaram a ter acesso a livros. Infelizmente, nem todos os presídios têm livros e disponibilizam a leitura para os presos. Esta é uma modalidade muito eficaz para a ressocialização porque o preso lendo, está aprendendo, está adquirindo conhecimento”, comenta o ex-desembargador Siro Darlan, idealizador da ABLC.
Darlan enfatiza a importância de os presos contarem suas sagas e experiências em cárcere, além do processo de recuperação e expectativa de retorno para a rotina fora das grades. Como a trajetória de Fábio da Hora Serra, ou Sagat B, autor que fará parte da ABLC e, nos últimos anos, em liberdade, trabalha na divulgação de suas produções. Sagat escreveu a autobiografia ”O Bandido que Virou Artista” e ”Amor: Substantivo Feminino” e ainda tem uma dezena de livros prontos para publicar.
Saiba mais: Marcinho VP ocupa cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras do Cárcere, inaugurada no Rio (Terra)
”A academia tem a proposta de fazer emergir esses talentos que muitas das vezes ficam soterrados sob tanto preconceito. Tem muita gente que escreve lá dentro e não tem para onde enviar seus textos. Para alguém que está aqui fora já é tão difícil enviar um livro, imagina pra quem está lá dentro?”, diz Sagat.
Também tomam posse Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, autor de ”Verdades e Soluções” (cadeira Graciliano Ramos), atualmente preso, e Edilberto José Soares, o Poeta da Favela, autor de ”Último Grito da Poesia” (cadeira Martin Luther King), que está em liberdade. A posse acontece no Rio de Janeiro, sem Marcinho VP, que cumpre pena na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS).
Para ele, que ocupará a cadeira que tem como patrono Nelson Mandela, o momento é de felicidade. ”Estou muito feliz. Vamos levar uma realidade que as pessoas acham que conhecem. Uma coisa é quem viveu, outra é quem estuda sobre”.
O maior desafio de Sagat e dos demais escritores é tornar suas obras acessíveis e, antes disso, publicadas. Com a estreia da ABLC, Sagat acredita que os trabalhos possam ter mais aceitação e possibilidade de chegar às editoras. ”Publiquei um livro e a editora não investiu nem um centavo em publicidade. Já consegui vender duas mil cópias de um deles, indo direto para os pontos turísticos do Rio, onde há pessoas mais abastadas. Na zona norte, infelizmente, eu não vou conseguir vender. Essa é a realidade, infelizmente. Quem precisa ler esse livro não consegue. Essa leitura a galera da comunidade não tem condições de acessar, e eu não tenho condições de fazer com que chegue de maneira gratuita. Mas creio que a academia vai ser um ponto de mudança”.
”Acredito que, a partir da posse dos primeiros acadêmicos, outros se sentirão encorajados. Muitas pessoas já estão entrando em contato com a direção da Academia, que é formada por advogados e familiares de presos. Nós temos a Anacrim (Associação Nacional dos Advogados Criminalistas), temos também a Associação Nacional de Familiares de Presos, [a ONG] Anjos da Liberdade, que estão ajudando na criação e formatação. Outros que ainda estão em cumprimento de pena e também se sentiram inspirados”, diz Siro Darlan.
Para frente, há expectativa. “Tenho certeza de que daqui alguns anos, não sei quantos, poderemos ter um escritor da ABLC na ABL”, diz Sagat.
Imortais da ABLC
A ABLC contará com 20 imortais, mas, até o momento, apenas seis cadeiras foram ocupadas. Veja os nomes que foram anunciados no evento de lançamento da academia:
Márcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP): preso desde 1996, o ex-traficante escreveu três livros de dentro da cadeia.
Fábio da Hora Serra (Sagat): já foi envolvido tanto com o CV como com o PCC, mas hoje prega contra o crime. Cumpriu 12 anos de prisão e é autor do livro ‘O Bandido que Virou Artista’.
André Borges: preso em 1958, por assalto à mão armada, passou 21 anos como detento. Nesse período, escreveu 21 livros. Foi solto em 1979, após ser considerado um preso político.
Edilberto José Soares: órfão desde a infância, passou 20 anos na prisão depois de se envolver com a criminalidade. Na detenção, se descobriu poeta e, desde que deixou o cárcere, se dedica à poesia. Seu primeiro livro foi lançado em 2022, ‘O Último Grito da Poesia’.
Emerson Franco: preso aos 19, cumpriu sete anos de prisão em regime fechado, onde começou a escrever. Depois, se formou em Sociologia e hoje é professor. Lançou o livro ‘Francas Palavras no ano passado’.
Paulo Henrique Milhan: ex-presidiário por tráfico de drogas, escreveu quatro livros ainda na cadeia e mais dois fora. Ele também criou uma editora própria para publicar seus livros, como ‘Tarde Demais para Acreditar no Amor’.
Os outros integrantes da ABLC devem ser anunciados em breve, em novas cerimônias.
Fonte: UOL, por Eduardo Carvalho.
*** ***
Marcinho VP vira membro da ABLC
Marcinho ocupa a cadeira número 1, batizada com o nome do escritor Graciliano Ramos. A cerimônia de posse ocorreu nesta 5ª feira (18/4) na cidade do Rio de Janeiro.
Márcio dos Santos Nepomuceno, conhecido como Marcinho VP, apontado com um dos principais chefes do Comando Vermelho (CV), foi empossado como membro da recém-criada Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC), nesta quinta-feira (18/4), juntamente com outros cinco membros. As informações são do jornalista Ulisses Campbell para o portal Metrópoles.
Marcinho VP foi condenado a mais de 50 anos de prisão por associação criminosa, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, homicídio, entre outras acusações. Ele está preso há 37 anos. Atualmente, cumpre pena em regime fechado na penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS).
Na cadeia, o condenado escreveu três livros: “Preso de guerra”, “Execução penal banal comentada” e “Marcinho — Verdades e posições”. Na Academia Brasileira de Letras do Cárcere, ele ocupa a cadeira número 1, batizada com o nome do escritor Graciliano Ramos.
Advogada diz que Marcinho VP se tornou um escritor “de grande magnitude”
Como não pôde deixar a penitenciária para ser empossado, Márcio dos Santos Nepomuceno foi representado pela família. Mãe, esposa e advogada compareceram à cerimônia.
Paloma Gurgel, advogada de Marcinho VP e coautora da obra “Execução penal banal comentada”, afirmou em nota enviada ao blog True Crime, do jornal O Globo, que Nepomuceno se tornou um escritor com obras “de grande magnitude”, que “consegue sobreviver” no cárcere “escrevendo livros através de cartas”.
Ela ainda disse que o convite para integrar a ABLC representa um reconhecimento “pelo seu esforço e dedicação em se ressocializar através da produção literária”.
Fonte: Metrópoles
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
PATROCÍNIO
Tribuna recomenda!
MAZOLA
Related posts
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo