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Mangueira e o Documento de Puebla e os Evangelhos
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Mangueira e o Documento de Puebla e os Evangelhos

Por Siro Darlan

Inspirado numa reflexão de meu amigo Robson Santarém, da ANIMA, resolvi colar o samba da Mangueira no Documento de Puebla, onde os bispos latino-americanos, reunidos em 1979 na cidade mexicana de Puebla do los Angeles firmaram compromisso de priorizar a evangelização para os mais pobres e oprimidos. Destacaram as crianças golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer, os jovens desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade; os desempregados, os marginalizados, os anciãos, postos à margem por uma sociedade que prescinde das pessoas que não produzem. Em todos esses os bispos viram o rosto e o corpo de Cristo que deve ser de toda gente, sobretudo dos pecadores e sofredores. Eis o que canta a Mangueira e o que decidiram os bispos latino americanos

MANGUEIRA

VÃO TE INVENTAR MIL PECADOS

MAS EU ESTOU DO SEU LADO

E DO LADO DO SAMBA TAMBÉM

“31. Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos questiona e interpela) :

EU SOU DA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE NAZARÉ

MOLEQUE PELINTRA DO BURACO QUENTE

32. – feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer, impedidas que estão de realizar-se, por causa de deficiências mentais e corporais irreparáveis, que as acompanharão por toda a vida; crianças abandonadas e muitas vezes exploradas de nossas cidades, resultado da pobreza e da desorganização moral da família;

MEU NOME É JESUS DA GENTE

NASCI DE PEITO ABERTO, DE PUNHO CERRADO

33. – feições de jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados, sobretudo nas zonas rurais e urbanas marginalizadas, por falta de oportunidades de capacitação e de ocupação;

ROSTO NEGRO, SANGUE ÍNDIO, CORPO DE MULHER

34. – feições de indígenas e, com frequência, também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres.

MEU PAI CARPINTEIRO DESEMPREGADO

MINHA MÃE É MARIA DAS DORES BRASIL

ENXUGO O SUOR DE QUEM DESCE E SOBE LADEIRA

35. – feições de camponeses, que, como grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso continente, sem terra, em situação de dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam e os exploram;

ME ENCONTRO NO AMOR QUE NÃO ENCONTRA FRONTEIRA

PROCURA POR MIM NAS FILEIRAS CONTRA A OPRESSÃO

36. – feições de operários, com frequência mal remunerados, que têm dificuldade de se organizar e defender os próprios direitos;

OS PROFETAS DA INTOLERÂNCIA

SEM SABER QUE A ESPERANÇA

BRILHA MAIS QUE A ESCURIDÃO

FAVELA PEGA A VISÃO

NÃO TEM FUTURO SEM PARTILHA

NEM MESSIAS DE ARMA NA MÃO

37. – feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos;

MAS SERÁ QUE TODO POVO ENTENDEU O MEU RECADO?

PORQUE DE NOVO CRAVEJARAM O MEU CORPO

38. – feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais;

EU FAÇO NA MINHA GENTE

QUE É SEMENTE DO SEU CHÃO

DO CÉ DEU PRA OUVIR

O DESABAFO SINCOPADO DA CIDADE

39. – feições de anciãos cada dia mais numerosos, frequentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem.

MEU NOME É JESUS DA GENTE

QUAREI TAMBOR, DA CRUZ FIZ RESPLENDOR

E NUM DOMINGO VERDE-E-ROSA

RESSURGI PRO CORDÃO DA LIBERDADE

ME ENCONTRO NO AMOR QUE NÃO ENCONTRA FRONTEIRA

40. Compartilhamos com nosso povo de outras angústias que brotam da falta de respeito à sua dignidade de ser humano, imagem e semelhança do Criador e a seus direitos inalienáveis de filhos de Deus.”


SIRO DARLAN, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a democracia, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da imprensa Livre

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