Por Sérgio Cabral Filho –
Meu pai padece da doença de Alzheimer. Desde 2014, quando tinha 77 anos. Na verdade em 2013, ele já apresentava sinais sérios, como quando estava numa palestra sobre Tom Jobim, de quem é autor de uma bela biografia, e Vinicius de Moraes. No meio da sua exposição, a memória falhou e a palestra não foi bem sucedida.
Não é fácil essa doença. Ela é dura para os que amam o paciente. Ele, por força da própria doença, não tem consciência do problema.
Meu pai é incrível. Nunca perdeu o bom humor. E o que é mais incrível, nesses anos, sempre reconheceu minha mãe, seu grande amor e leitmotif nessa jornada de pouca consciência e falta da memória recentes.
Minha mãe, aliás, é uma leoa. Aposentada como professora e museóloga. Foi da sala de aula à direção de museus como o da República, Primeiro Reinado e a Casa Rui Barbosa.
Leoa porque jamais deixou de cuidar do meu pai. E, ao mesmo tempo, durante meus seis anos e um mês de prisão, me visitou todas as semanas. Magaly tem 81 anos. Que mulher!
Meu pai, Sérgio, tem 86. No próximo dia 27 de maio faz aniversário.
A debilidade da memória nos dói. Sobretudo se tratando de um jornalista e escritor que dedicou sua vida à memória da música popular brasileira. Biógrafo de Pixinguinha, Nara Leão, Almirante, Grande Otelo, Tom Jobim, Carlos Manga, Ari Barroso, além de toda a história das escolas de samba, esse grande brasileiro e carioca tem falhas no seu cérebro que não permitem mais a ele fazer cognições mais complexas do raciocínio.
Duro, muito duro. No entanto, é impressionante o seu desejo de viver. Sua alegria em nos ver, filhos, netos e bisnetos. Recomendo a todas as famílias que têm parentes com o Mal de Alzheimer, que sempre estejam presentes. Visite seu parente acometido pela doença. O amor e carinho são remédios incomparáveis. E a maneira de você manifestar é com atitudes. Não abandone, não deixe de dar atenção.
Minha mãe perdeu um companheiro da vida toda. Perdeu o papo com o parceiro, o whisky com boa música, enfim, o companheiro de 62 anos de casamento, mais o namoro e noivado. Daí que quanto mais amor entre todos da família, melhor.
Meu pai já apresenta uma fragilidade maior do seu raciocínio e da sua capacidade física. Duro pra quem o ama.
Ontem, foi Páscoa. Dia do renascimento do filho de Deus.
Para nós, humanos e mortais, devemos compreender o ciclo da vida. E o que ela nos apresenta de maravilhoso e de agruras intrínsecas à existência. “Viver e não ter a vergonha de ser feliz…”, como exalta o poeta Gonzaguinha. Que, aliás, adorava ir lá em casa, ouvir o mestre Cabral. Meu mestre, meu pai. A pessoa mais feliz e bem humorada que conheci, além de um papo incomparável.
PS: pela militância dedicada aos idosos, me envolvi cedo com os temas da velhice, e com menos de 30 anos, fui presidente de honra da Associação de Amigos e Parentes da Doença de Alzheimer. Jamais imaginei que, décadas depois, conviveria com ela tão perto.
PS II a rádio Roquete Pinto tem passado semanalmente um programa apresentado pelo meu pai, um papo delicioso sobre a MPB e suaspersonagens.
SÉRGIO CABRAL FILHO – Jornalista e Consultor Político da Tribuna da Imprensa Livre.
Instagram @sergiocabral_filho
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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