Por João Batista Damasceno –
“A nossa bandeira jamais será vermelha”, bradavam alguns em recente tempo passado, como se ainda vivêssemos na Guerra Fria. As cores de nossa bandeira foram resignificadas com a proclamação da República em 1889. No Império, o amarelo era símbolo da Casa de Habsburgo, origem da imperatriz Leopoldina, e o verde a cor da Casa de Bragança, dinastia a que pertencia D. Pedro II. Os que bradavam o lema contra o vermelho apenas não sabiam que ele, na bandeira de diversos países, expressa o sangue derramado nas lutas pela construção dos direitos dos respectivos povos.
Várias bandeiras de estados federados brasileiros ostentam o vermelho em homenagem aos que tombaram em luta pela construção dos direitos individuais, sociais e pelas liberdades públicas. Ninguém jamais pretendeu alterar as cores da nossa bandeira. Mesmo a primeira bandeira republicana, que tinha o formato listrado da dos Estados Unidos, era verde e amarela.
Mas, no presente momento talvez devêssemos colocar uma tarja preta na bandeira brasileira ou, mantidas as formas geométricas que a compõe, ser totalmente exposta na cor preta. Seria um gesto de humanidade, solidariedade e luto pelas mais de 300 mil vidas que foram ceifadas em decorrência das calamitosas opções governamentais durante a pandemia do coronavírus que nos assola.
Não foi falta de aviso. Cientistas, infectologistas e outros profissionais competentes nos indicaram os caminhos a seguir. Mas, houve opção política pela cloroquina, ivermectina, azitromicina e por um general no lugar de um profissional da área de Saúde. A insanidade que norteou as opções foi perversa, embora disfarçada de crendice. Optou-se por um tipo de imunização com sacrifício de vidas humanas.
Dentre os principais meios de imunização estão a vacinação e a contaminação em massa.
O método da imunização do rebanho pela contaminação implica em deixar um vírus circular livremente para que, rapidamente, o maior número de pessoas se infecte e os que sobreviverem estejam imunizados. Trata-se de um método desumano, pois implica no sacrifício dos mais vulneráveis. O outro método científico, humano, solidário e fraterno implica na preservação das pessoas até que se obtenham vacinas e todos possam, vacinados, voltar à vida social.
O governo brasileiro optou pela imunização do rebanho pela contaminação, ainda que tal processo implicasse a perda da vida dos idosos e das pessoas com comorbidades. A imprensa noticiou que uma diretora da Susep teria saudado este método, pois aliviaria o déficit das contas da Previdência Social. Outros apontaram que a desejada morte de pessoas com comorbidades aliviaria as despesas do SUS.
É desumano o que fazem com o povo brasileiro. Nossa história registra similar descaso com a vida humana. Em 1918, sofremos um surto da gripe espanhola, originária dos Estados Unidos. Em razão da primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, o mundo perdeu dez milhões de vidas. Mas, em 1918, em poucos meses, morreram 50 milhões de pessoas em decorrência da gripe espanhola.
No Brasil, um dos mortos foi o presidente eleito Rodrigues Alves. Em seu lugar assumiu o vice Delfim Moreira. Mas, por incapacidade mental e impossibilidade de gerir a crise, foi impedido de continuar a presidência. Seu governo durou apenas nove meses. Mas, foi tempo suficiente para possibilitar a difusão da pandemia. Com explicações místicas e negacionistas, incentivou o Carnaval de 1919, promovendo segunda onda da pandemia. O presidente Rodrigues Alves, que governara o Brasil de 1902 a 1906 acreditava na Ciência e em 1904 autorizou Oswaldo Cruz a promover campanha de vacinação, o que levou oportunistas e negacionaistas a incentivarem o povo a uma rebelião conhecida como a Revolta da Vacina.
O governo ignorou, em agosto de 2020, oferta da Pfizer de 70 milhões de doses de vacina para entrega em dezembro. Igualmente ignorou ofícios do Instituto Butantan, de julho, ofertando 60 milhões de doses ainda em 2020 e 100 milhões para 2021. Mais de 300 mil de vidas já se foram. Outras milhares de vidas ainda poderão ser sacrificadas. Uma CPI que apure tais ocorrências poderá levar os responsáveis ao Tribunal Penal Internacional, por crime contra a humanidade.
Estamos de luto! E precisamos exigir responsabilização!
JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista do jornal O Dia, conselheiro efetivo da ABI, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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