Por Lincoln Penna –
Em eleições presidenciais devem-se considerar dois objetivos bem definidos, que estou denominando de planos.
No primeiro, o de ganhar a eleição, o que implica jogar com certo pragmatismo de modo a angariar votos. No segundo plano, o da governança, que para isso precisa de um programa não apenas eleitoral, mas baseado num projeto de país para quem postula a candidatura presidencial.
Para as eleições gerais de 2022, que podem ou não manter a atual composição das casas do Congresso Nacional, assim como nas assembleias estaduais e nos governos dos entes federados; eleições essas que na postagem anterior chamei de decisivas, seria bom examinar esses dois planos.
No que concerne à eleição que mais mobiliza o eleitorado, a da presidência da República, fica claro que o primeiro plano assumiu uma prioridade quase absoluta por parte das candidaturas, todas sem exceção. O que é normal. Há, no campo progressista, de uma centro-esquerda de maior peso eleitoral, a prioridade traduzida por uma necessidade vital de barrar o governo atual, que tem desmontado as políticas públicas, particularmente nas áreas sociais, ambientais e científicas.
Faz sentido dar ênfase na composição ampla de forças políticas e sociais visando à derrota de um projeto de poder centrado na destruição de elementos fundamentais da democracia que temos. De novo, não vou me prender à adjetivação. Deem o nome que quiserem: de democracia burguesa, liberal ou outro qualquer, o fato é que ela assegura as liberdades, bem diferente dos governos autoritários que já amargamos no passado.
Todavia, ganhar as eleições nos leva a considerar o outro plano, o da governabilidade com base nas propostas do candidato vencedor. Desde 1930 ou de 1945, se não quisermos considerar os agitados anos que nos levaram ao Estado Novo (1937-1945), o tão decantado presidencialismo de coalizão tem objetivamente se pautado na mais moderna conciliação no que tange a ações de governo ao dar prioridade às composições ministeriais, a nomeações para cargos públicos ou agências estatais ou paraestatais, e com isso abdicar de um programa de governo, além de distanciarem-se de projetos políticos fundados em concepções políticas e ideológicas.
Alguns podem objetar ao argumentar que são comuns essas composições. Agora mesmo na Alemanha, houve mudança na composição do governo com um primeiro ministro social democrata junto com forças de centro-esquerda. Mas, observem que esse alinhamento foi discutido com base numa súmula governamental, que uma vez alcançado o consenso mínimo deu lugar a essa nova composição.
Não foram os cargos, mas sim ideias que se compatibilizaram para a definição de seus componentes.
No Brasil, raros foram os entendimentos pautados em ideias mais ou menos convergentes. E tem se repetido em nossa história política mais contemporânea. Foi assim com o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e de seus sucessores até hoje, incluso o de Jair Bolsonaro, a mirar obsessivamente na sua reeleição. Em todos eles, houve sempre o recurso à composição.
E os que assim não procederam como o de Jânio Quadros (1961) E João Goulart (1961-1964) por razões, é verdade, bem distintas. Um porque buscou poderes acima do que reza a Constituição mediante uma falsa renúncia para retornar nos braços do povo, como Abdel Gamal Nasser no Egito; Jango porque não se rendeu às pressões reacionárias e sofreu com o povo o golpe do grande capital.
Lula se encontra diante desse dilema comum em nossas eleições. Nos seus governos procurou equilibrar-se entre os objetivos contidos nesses dois planos. Fez em seus dois governos as composições necessárias para levar adiante seus mandatos, não obstante ter se curvado em algumas ocasiões, sobretudo no que diz respeito à área econômica, ao fazer as concessões que lhes foram sugeridas. Mesmo assim, saiu ileso não fosse à armação com base nas acusações de corrupção da Lava Jato.
Com a presidente Dilma a situação não se modificou. Quando da fase mais aguda da crise crônica que se arrasta desde 2008, seu governo tangenciou para uma orientação econômica e financeira mais afeita aos sabores do mercado e sua composição política começou a ruir dentro e fora de suas bases de apoio e veio o impeachment. De novo, manobra macabra típica dos verdadeiros donos do poder, que nos comanda faz tempo.
Desafio para quem se coloca presentemente como a única possibilidade eleitoral capaz de desbancar o novo pregão autoritário de grosso calibre econômico. Assim se converteu a candidatura de Lula. De liderança do PT e aliados mais próximos passou a ser a viabilidade mais cristalina para varrer o entulho pesado da ditadura, este cadáver insepulto.
Mas, não basta impedir o projeto restaurador dos tempos do autoritarismo e deixar, como se tem feito nos governos eleitos, os objetivos estratégicos de lado. Assim, ao desafio eleitoral Lula precisa incorporar o desafio das demandas transformadoras.
Do contrário, poderá ser tão somente um hiato presidencial fortemente atacado pelas forças que não costumam largar o osso, tão acostumados que estão de impedir de realizarmos os nossos velhos sonhos de soberania.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.
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