Redação

Além de gerar empregos, receitas e divisas, setor é fundamental para a soberania brasileira.

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas destacam que o escolhido por Lula para comandar o Ministério da Defesa em seu terceiro mandato, José Múcio, precisa democratizar a discussão da Política Nacional de Defesa, bem como fortalecer a indústria de defesa nacional.

Alçado ao cargo de ministro da Defesa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Múcio Monteiro será o primeiro civil a comandar a pasta em cinco anos, desde que o ex-presidente Michel Temer (MDB) rompeu com a tradição de escolher um civil para o ministério, em 2018.

Formado em engenharia civil, Múcio tem ampla experiência política: foi deputado federal de 1991 a 2007; ministro das Relações Institucionais de 2007 a 2009, durante o segundo mandato presidencial de Lula; e foi ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2009 a 2020.

De perfil conciliador, ele tem à frente um dos cargos do novo governo que mais estarão sob os holofotes da mídia e da sociedade, se levada em conta a retórica militarista vivenciada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Porém, em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas destacam que Múcio tem a oportunidade de promover uma reformulação da política de defesa, estreitar a cooperação militar com países vizinhos, avançar em projetos como o do submarino nuclear brasileiro e inovar e fortalecer a indústria de defesa nacional.

Adriana Marques, professora do curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Observatório do Ministério da Defesa (OMD) e do Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa (LESD), destaca que Múcio, “um político branco, de idade mais avançada e conservador, tem um perfil próximo dos outros ministros da Defesa do Brasil”.

Segundo ela, isso demonstra que Lula optou pela chamada política de acomodação, que, em um primeiro momento, causa menos dificuldades políticas em relação às Forças Armadas, “especialmente em um momento em que elas têm poder”.

Adriana Marques destaca que essa política é particularmente importante em períodos nos quais países passam pela transição de regimes ditatoriais para a democracia, como ocorreu no Brasil, na década de 1980, “com o presidente José Sarney, antes mesmo da criação do Ministério da Defesa”, em 1999. “Essa tônica da acomodação foi uma das marcas da nossa transição para a democracia”, diz Marques.

No entanto ela acrescenta que embora tenha resultados positivos em não criar tensão com as Forças Armadas no curto prazo, no médio e longo prazos essa abordagem causa mais problemas, podendo inclusive “se tornar um entrave à própria democracia”.

“Há um custo para isso, que é o fato de as Forças Armadas estarem sempre naquela posição de que, se não forem atendidas, podem desestabilizar o sistema. Este temor em relação ao que as Forças Armadas poderiam fazer no caso de serem contrariadas é um temor que pairou sobre todos os governos da Nova República que optaram por essa política de acomodação. Então, no curto prazo, essa política parece ser mais efetiva, mas no longo prazo o país acaba pagando um preço alto.”

Marques acrescenta que o governo Bolsonaro foi fruto dessa política de acomodação. “Ele [Bolsonaro] é uma consequência desse processo de acomodação do poder civil com as Forças Armadas. Os generais que estavam em seu entorno no Palácio do Planalto são reflexo e consequência desse processo. Porque essa ideia de que os militares tinham que ser valorizados e não podiam ter seus interesses contrariados fez com que eles fossem mantendo prerrogativas que não deveriam ter.”

Diante disso, Marques aponta para a necessidade de se reformular a política de defesa, tornando-a “uma política pública, discutida com transparência pelo Legislativo e com participação da sociedade civil”. Porém, segundo ela, a falta de um grupo de trabalho (GT) de Defesa na equipe de transição de Lula não foi um bom sinal.

“Era importante a gente ter um diagnóstico mais claro de como se encontra o Ministério da Defesa agora. O orçamento do Ministério da Defesa é um dos maiores do Executivo. Essas políticas não podem ser desenhadas sem que haja um debate amplo. E esse debate não pode estar restrito ao Ministério da Defesa e aos militares.”

Por sua vez, o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil comandante Robinson Farinazzo, do canal Arte da Guerra, diz acreditar que a falta de um GT de Defesa não vai afetar a política do novo governo para o setor.

“Cada subpasta do comando do Exército, da Marinha, da Aeronáutica tem seus planejamentos, seus planos plurianuais, suas necessidades e vai apresentar ao ministro da Defesa. E disso devem resultar diversos projetos, um levantamento de orçamento, entendimentos bilaterais com o Ministério da Fazenda, com os setores econômicos do governo, para que surja o aporte financeiro.”

Farinazzo tem uma visão otimista da Defesa no terceiro mandato de Lula e destaca os avanços observados no setor durante as gestões de Lula e Dilma Rousseff (PT). “Os governos anteriores do PT fizeram investimentos substanciais nas Forças Armadas. São dessa época a aquisição do projeto dos submarinos, dos caças Gripen, a modernização dos jatos AF-1, na Marinha, e outros projetos militares importantes.”

Ele acrescenta que considera positiva a escolha de Múcio, “por ser uma pessoa experiente, que goza da confiança de Lula e pelo perfil conciliador”.

“Acredito que José Múcio fará uma excelente ponte entre os militares e o presidente da República. Acho que é o melhor para o país uma pessoa que tenha capacidade de trabalho, de agregação, de construção, de tocar para a frente os projetos que o Ministério da Defesa precisa.”

A Defesa como ferramenta para a integração regional do Brasil

Ambos os especialistas destacam que a gestão de Múcio na Defesa deve buscar uma maior cooperação com países vizinhos. Farinazzo diz que essa função não é primária do Ministério da Defesa, mas do Itamaraty, mas concorda que a pasta “deve se coordenar com os seus congêneres sul-americanos no sentido de avançar em projetos multilaterais”.

“O Brasil tem acordo com diversos países, nós não temos problema de fronteira, convivemos muito bem com todos os países da América do Sul. Agora, acredito que vai haver um resgate do relacionamento do Brasil com a Venezuela e com a Argentina. São vizinhos, e como tais estiveram e estarão presentes em toda a história do Brasil. Portanto é bastante importante que o Brasil mantenha um bom relacionamento.”

Já Adriana Marques lembra que “os dois pilares que sustentaram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na época em que a instituição funcionou, foram as áreas de infraestrutura e de defesa”.

Porém ela destaca que, desde o governo Michel Temer, o Ministério da Defesa passa a priorizar a cooperação com o chamado Arco do Conhecimento, que é constituído pelas forças armadas dos EUA e de países da Europa. Com isso, ela aponta que “a cooperação com os países da América do Sul ficou em segundo plano”, assim como a política de integração, da qual a Defesa fazia parte, vivenciada nos governos Fernando Henrique Cardoso e nas gestões anteriores do PT.

“Isso tudo se desfez a partir do governo Temer. Então tem muita coisa para ser reconstruída. Vamos ver se o ministro da Defesa vai ter a capacidade de engajar os militares nesse projeto, já que essa não é a preferência natural deles, que preferem uma aproximação com os países do Arco do Conhecimento.”

Por fim os especialistas destacam o que consideram ser a prioridade para a Defesa no governo Lula. Para Adriana Marques, o principal desafio será democratizar a Política Nacional de Defesa.

“Eu coloco isso principalmente porque há sempre essa discussão sobre defesa muito centrada nos orçamentos, nos equipamentos. Essa discussão sobre projetos estratégicos, investimentos, é uma discussão sobre meios. Só que os meios só podem ser discutidos depois que os objetivos da Política Nacional de Defesa forem estabelecidos”, diz Marques.
Ela acrescenta que “o que acontece hoje é que os comandantes militares chegam com uma lista de compras no Congresso”.

“E fica se debatendo se vão dar dinheiro ou não a um determinado projeto que eles definiram. Eu acho que a discussão tem de ser sobre os objetivos da política de defesa, isso tem de ser o centro da discussão. E os meios se discute depois.”
Já Farinazzo aponta que é muito importante “não deixar que o projeto do submarino nuclear brasileiro morra”. Em sua avaliação, esse é o projeto mais importante na área militar no governo Lula”.

“Essa é uma ambição antiga da sociedade brasileira, não digo nem dos militares. E agora nós temos a questão do pré-sal, então é fundamental possuirmos no nosso portfólio o submarino nuclear. Acho que o governo Lula precisa reforçar essa área. Nós precisamos pegar a carona que existe na jurisprudência internacional com o caso australiano. Os EUA estão efetivamente transferindo tecnologia de um submarino nuclear para a Austrália. Se isso está sendo feito para a Austrália através da união AUKUS [aliança militar formada por Austrália, Reino Unido e Estados Unidos], o Brasil precisa usar esse precedente para rebater todas as críticas ao nosso projeto”, diz Farinazzo.

Ele finaliza acrescentando que é essencial garantir a aquisição de um novo lote de jatos Gripen, que “estão colocando a Força Aérea Brasileira [FAB] na vanguarda tecnológica da aviação militar na América Latina”, e fortalecer a indústria de defesa nacional.

“Uma das coisas mais importantes, que tem recebido pouca atenção dos governos nos últimos 40 anos, é o caso da indústria de defesa nacional. A Avibras está em uma situação bastante difícil. O governo precisa olhar com carinho não só para a Avibras, como para outras empresas do setor, que além de trazerem empregos, receitas e exportarem bastante, são fundamentais para a soberania brasileira. Acho que essa é uma bandeira que o governo Lula precisa pegar e levar adiante.”

Fonte: Sputnik Brasil

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