Por Lincoln Penna

Aos que têm o hábito de lerem os meus escritos, peço para atentarem para o depoimento e a análise que seguem.

Tomei a iniciativa de divulgar essas linhas em razão de uma conjuntura que necessita atenção e discernimento. Lucidez é imprescindível para compreendermos essa triste realidade. Penso que como cidadão consciente de meus compromissos, não poderia deixar de me posicionar diante de todos os sobressaltos que vivemos atualmente. Leiam e compartilhem se acharem pertinente.

Há cinqüenta e sete anos, já adulto e ciente do que se passava no País, assisti a derrota das forças democráticas. Não existem momentos ao longo desses anos em que não me recordo dos dias tensos que se arrastavam até aquele desfecho, sem que tivéssemos consciência de que terminara naqueles dias as nossas esperanças imediatas.

As notícias disparatadas eram ao mesmo tempo um combustível a nos injetar esperanças e desânimo à medida que a evolução dos acontecimentos ia se processando, sem que pudéssemos de fato fazer alguma coisa. A sensação de impotência diante de fatos a nos deixar atordoados é indescritível para quem acumulava certezas de que estávamos no caminho da revolução brasileira.

Sim, revolução era a palavra que mais era ouvida e falada naqueles tempos a nos motivar. Muito embora ela viesse sob o manto das experiências de outros povos, não nos estimulava a ideia do assalto ao poder, pois dele parecíamos próximos, como acreditávamos. E a alimentar a ingênua convicção de que era possível contagiar todos os brasileiros exceto, é claro, os latifundiários e a burguesia subalterna ao imperialismo. Seria um movimento cívico, conduzido pela classe dos que criam as riquezas do País, o operariado da cidade e do campo, bem como os que sobreviviam com alguma dignidade, distante do que se passa hoje em dia em nossas cidades.

Não contávamos com a força de um pesado e ferino adversário, o anticomunismo.

Disseminado com vigor a partir do imediato pós-guerra, principalmente, ele foi fulminante para contaminar a classe média temerosa de perder seus parcos recursos. Desprezamos o uso sistemático da propaganda fomentada pelas agências a serviço da estratégia norte-americana, conduzida pela política do departamento de estado daquele País, que passara a dar prioridade ao continente logo depois da vitória da Revolução Cubana.

Os jornais publicitários exibidos nas salas de cinema por todo o território brasileiro, em jornais que antecediam os filmes, eram de conteúdo ideológico dos mais rasteiros. Achávamos graça e costumávamos a não dar crédito aquelas mensagens toscas e abertamente insidiosas, de modo a debochar de nossa soberania, como se fossemos meras marionetes dos yankees. Isso porque tínhamos a certeza de que estávamos escorados pela patriótica e leal companhia dos militares. Apesar da tentativa de não darem posse ao legítimo herdeiro da presidência, quando da renúncia de Jânio Quadros, ainda assim nós os considerávamos legalistas, juntamente com Jango e as demais lideranças trabalhistas e populares..

Além do otimismo a imperar nossa conduta, havia muita ignorância com relação ao que se passava no mundo da Guerra Fria, que para todos era uma tensão que se resumia na relação dos dois países vencedores da Segunda Guerra. Logo, não tínhamos a rigor nada a ver com isso. Pouca importância nós dávamos ao Acordo entre o Brasil e os EUA por ocasião da criação da Escola Superior de Guerra, em 1948. Assim, a defesa nacional passava a ser supervisionada pelas forças estadunidenses.

Pouca importância se deu à decisão do governo do presidente Getúlio Vargas, hábil no uso da conciliação, em negar forças militares brasileiras para serem enviadas à Coréia, numa guerra intervencionista norte-americana sem qualquer razão para o Brasil dela participar. Essa decisão teve um custo muito maior do que o acordo militar celebrado com o “Irmão do Norte”. E tudo isso sem contar com a presença ostensiva das agências noticiosas, que nos abasteciam com o noticiário internacional eivado do vírus anticomunista, cuja cepa mais contagiosa aparecera com o macarthismo.

A indiferença com o que se passava no mundo era gritante.

Mergulhado numa conjuntura política excitante a nos embalar em direção às transformações que se encontravam muito próximas de nossa geração, ao lado das nossas ilusões. Estas eram sedutoras, nos animavam e com elas vivemos os momentos decisivos que resultaram no golpe de 64. Até o último instante não podíamos acreditar que tal retrocesso, a favor da empresa de internalização efetiva do capitalismo, fosse acontecer. Só podia ser um tremendo pesadelo. Afinal, contávamos com um presidente da República entusiasmado com as Reformas de Base, e com militares a proclamarem um rotundo NÃO a ações golpistas. Sem contar com a classe operária.

Pois, essa expectativa alvissareira esvaiu-se em poucas horas. Não houve resistência possível, simplesmente porque não se resiste só pela vontade. Toda resistência pressupõe duas medidas: a prevenção diante de possibilidades reais de regressão política, e organização das forças democráticas e populares para se evitar o golpe antidemocrático. Este é apoiado pelos que temem verdadeiramente as transformações, mesmo as tardias. Estas tendem a ser mais cruentas para os que resistem a se opor à maré montante do povo.

Que esse ligeiro depoimento possa ser útil no momento que passa o Brasil cercado de tantas incertezas e inseguranças quanto ao seu futuro imediato. Se infrutífero é um golpe dentro de um golpe continuado contra o povo, pelo menos nos organizemos para evitar golpes palacianos. Estes, em geral, são promovidos por quem tem desapreço pelas liberdades, voltado está ao apego continuísta do cargo presidencial, para ter ingerência absoluta em relação aos demais poderes. Isto é golpe também, um autogolpe, e eles acontecem com quem se elege. E o fato de ser eleito não absolve tais atos.

Como povo, nós já experimentamos muitos retrocessos. Chega! É urgente que se tenha desta vez mais ciência do que se passa ao nosso derredor. Ou aprendemos com o passado que nos interessa recorrer, ou vamos renunciar ao nosso destino, que é e deve ser de renovar esperanças com vistas à construção de uma nacionalidade plural, socialmente justa e democrática.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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