Por João Batista Damasceno –
No início do século 20, o escritor austríaco Stefan Zweig foi um dos intelectuais judeus que, sem entenderem no que o nacionalismo alemão poderia resultar, se encantou com seu ideário. Mas, após a 1ª Guerra Mundial abdicou de tal posicionamento e se tornou um pacifista. As políticas antissemitas que se disseminaram na Alemanha e Áustria a partir da ascensão de Hitler, em 1933, logo afetaram Zweig e em 1934 ele deixou o seu país, indo para a Inglaterra, depois para New York e em 1940 para o Brasil.
No Brasil, Zweig foi recebido com euforia pela comunidade intelectual e pelas autoridades políticas. Mas, não se tratava de boas vindas a um refugiado ou a satisfação pela convivência com um dos maiores escritores da época. O oportunismo que permeia a classe dominante no Brasil via na sua presença apenas a possibilidade de prestígio e oportunidades de um intercâmbio com instituições estrangeiras, visando aos seus interesses. Tal como Lula, Zweig foi seduzido pela amabilidade que a Casa Grande apresenta aos que lhe interessam. Zweig acreditou na democracia racial brasileira e não compreendeu o processo cínico de exploração, exclusão social e racismo que permeiam as nossas relações.
Em sua primeira viagem ao Brasil, Zweig escreveu o livro ‘Brasil, país do futuro’. Encantado, mudou com sua mulher, Lotte, para cá e se estabeleceram em Petrópolis. Zweig trazia em sua bagagem um ideário liberal e antinazista. Getúlio Vargas o recepcionou pessoalmente, mas havia uma contradição. Seu governo se mantinha graças às políticas autoritárias e muitos de seus ministros e assessores militares eram simpatizantes do nazifascismo. A classe dominante no Brasil recepciona com cordialidade e chama para a mesa na Casa Grande, mas quando não mais interessa defenestra o convidado, pois se torna incômodo. Tolos são os que acreditam na sua receptividade.
Diante do avanço do nazismo na Europa, com o crescimento da intolerância e do autoritarismo em sua época, sem esperanças no futuro da humanidade e tomando ciência do que realmente se pensa e se faz no Brasil, em 1942, deprimido, Zweig escreveu uma carta de despedida e suicidou-se juntamente com a mulher. A avaliação de Zweig foi falha. Três anos depois de sua morte, os ‘Aliados’, tendo à frente a URSS, venceram o nazifascismo e a humanidade ganhou rumos diversos do que ele supunha.
Vivemos momento no qual não se vislumbra qualquer projeto de nação. Nada está sendo construído para legado às gerações futuras e mesmo a geração presente está sendo sacrificada em seus direitos. A ignorância e o discurso anticientífico são dominantes nas esferas de poder. Já contamos quase 200 mil mortos pela covid-19 e sequer temos um projeto de vacinação, quando 40 países já estão vacinando suas populações.
Até o Líbano, país destruído e à beira da falência, já iniciou a vacinação.
As mortes na pandemia não sensibilizam quem deveria promover políticas públicas de Saúde. O presidente insiste que é uma gripezinha e diante das mortes diz não ser coveiro. Um general de intendência, colocado no Ministério da Saúde por sua suposta capacidade logística, processo de planejamento e execução eficiente de armazenamento e transporte de bens desde o ponto de origem até o ponto de consumo, não promoveu sequer compra de seringas para futura aplicação da vacina.
Gastam-se fortunas na ineficaz cloroquina e deixam os testes perderem a validade ou prorrogam o prazo de eficácia por decreto. Mas, não podemos ser tomados pela desesperança que levou Zweig à morte. O povo brasileiro tem a capacidade de se reinventar e haveremos de construir um Brasil, no futuro.
JOÃO BATISTA DAMASCENO – Professor da UERJ, Doutor em Ciência Política (UFF), Juiz de Direito substituto de Desembargador do TJRJ, membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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