Por Carlos Mariano

No mês de abril, o Congresso Nacional aprovou a lei do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que reconhece desfiles, músicas, práticas e tradições das escolas de samba como manifestação da cultura nacional.

A lei determina que o poder público garanta a livre atividade das escolas de samba e a realização dos desfiles, assim como reconhece as nossas escolas de samba como Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. Vale lembrar que a lei aprovada é de autoria da deputada federal do PT-RS Maria do Rosário, e é conhecida popularmente como Lei Nelson Sargento, uma homenagem ao grande sambista negro mangueirense, morto em 2021.

Sambista Nelson Sargento morre, aos 96 anos, vítima da Covid-19 - NSC Total

Para falar desse avanço, é preciso rememorar a nossa história. Em 1838, ainda na época do Império, D. Pedro II criou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro cujo o objetivo e sentido era fazer do Estado brasileiro um fomentador da nossa nacionalidade. Noventa anos depois, precisamente a partir de 1928, a comunidade afrodescendente dos morros cariocas cria uma instituição carnavalesca que traz no germe da sua invenção, o samba de sambar: sua grande inovação, as nossas escolas de samba.

A partir de 1932, ocupando na raça as ruas e avenidas de um Rio de Janeiro elitista e preconceituoso, essas agremiações culturais, com seus desfiles, batuques e religiosidades, vão dizendo, em alto e bom som, que a negritude recém-alforriada queria também a nacionalidade brasileira almejada na utopia das elites do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lá em 1838.

A transformação da escola de samba como patrimônio cultural imaterial remonta a nossa história de luta e perseverança e, portanto, é o resultado da trajetória da cultura negra no país. De algo marginalizado e odiado pelo racismo e europeização para o reconhecimento como valor cultural pelo estado brasileiro.

Foi um longo e árduo processo, mas o triunfo chegou.

Mas, e agora? Qual é o próximo passo? As escolas de samba devem assumir um papel de protagonismo para transformar essa lei em algo que reforce, na prática, a preservação da memória e representatividade simbólica da presença da cultura negra no Brasil. E, óbvio, as comunidades negras em torno das escolas de samba devem tomar cuidado para que essa patrimonização da escola não a transforme em apenas um selo de propaganda turística para atrair gringos para o Carnaval carioca. Nós sabemos que existe uma boa parte da opinião pública desse segmento que trabalha para branquear e manter a escola de samba como símbolo de uma indústria cultural para exportação. A negritude inserida no mundo do samba tem que construir uma agenda que reforce a necessidade de as escolas de samba promoverem debates sobre que tipo e natureza de agremiação carnavalesca se quer preservar. Ou seja, pensar a escola de samba como bem produzido pela diáspora revela os sentidos e manifestações culturais e políticas do povo preto. Essa cultura é diversificada, já que é resultado da herança e identidade de várias nações africanas que foram trazidas para as Américas. Admitir a escola de samba como patrimônio cultural brasileiro é, acima de tudo, reafirmar o papel histórico da cultura negra como referencial dominante para a maioria das manifestações culturais tipicamente brasileiras.

A vitória de hoje traz a força e a singularidade do peso da ancestralidade.

CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


PATROCÍNIO

Tribuna recomenda!