Redação

O general Luiz Eduardo Ramos diz ter encontrado “um trem a 200 km” no dia 5 de julho, quando chegou ao Palácio do Planalto, e que levou mais de um mês para conseguir assumir de fato o posto de articulador político do governo Jair Bolsonaro.

Até hoje, no entanto, uma ala do Congresso não poupa críticas à atuação do ministro da Secretaria de Governo. A avaliação recorrente é a de que Ramos não tem conseguido cumprir acordos feitos com parlamentares.

PROXIMIDADE – O general recebeu a Folha para uma entrevista em seu gabinete no 4º andar do Planalto. Amigo do presidente desde 1973, ele diz que sua proximidade com Bolsonaro o torna alvo preferencial de ataques dentro e fora do governo.

“Aqui tem esse negócio: é um serpentário, quanto mais próximo do presidente, mais você é alvo. Se você me atinge, atinge o presidente”, afirma. “A minha relação com ele incomoda, incomoda aqui dentro do governo.”

Folheando tabelas com todas as emendas pagas aos congressistas, Ramos afirma que sua relação com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é “excepcional” e aposta na melhora do diálogo político com o Congresso.

O senhor acredita que esse novo modelo de relação política do Planalto com o Congresso terá que passar por reformulação para os próximos anos de governo? O presidente vai ter que, por exemplo, voltar a receber frequentemente presidentes de partidos?
O presidente Bolsonaro assumiu um posicionamento muito claro, não houve loteamento de ministérios. O que vejo é o seguinte: a gente tem que conversar mais com o Congresso, tenho falado muito com o presidente sobre isso. Eu sugeri e ele tem adotado o almoço com parlamentares toda quinta-feira. Quando é possível, e ele não viaja, os deputados têm vindo aqui. A média tem sido quatro deputados e dois senadores [por encontro]. A ideia é aproximar mais do presidente. Eu, particularmente, considero a minha relação com o Rodrigo Maia de muito boa para excepcional. Eu ligo para ele, ele liga para mim, nós conversamos, trocamos ideia. Com o Davi [Alcolumbre] é a mesma coisa. Isso vai distensionando, vai atenuando muita coisa que existia lá atrás. Com relação ao ano que vem, a gente acredita que vai ser um ano mais calmo. Vamos investir mais nesse relacionamento. Estamos trabalhando muito fortemente para que os ministros entendam o seguinte: é importante receber e conversar o parlamentar, seja deputado ou senador. Vamos dar mais atenção e prestígio aos parlamentares.

O senhor tem sido alvo de críticas, de insatisfação.
Já identifiquei e falei ao presidente: estou sendo alvo por duas ou três razões. Quando tem insatisfação em relação à emenda, eles querem me atacar. Isso é um fato claro. Tanto que brincaram comigo dizendo que teve ministro aqui que durou sete meses.

O segundo fato, inquestionavelmente, é: sou amigo do presidente desde 1973, servimos juntos, tenho liberdade. Ele mesmo brinca: “Ramos, nós somos inseparáveis”. A minha relação com ele incomoda, incomoda aqui dentro do governo. Aqui tem esse negócio: é um serpentário, quanto mais próximo do presidente, mais você é alvo. Assim, se você me atinge, atinge o presidente. Existe essa relação.

O senhor falou que se fosse para criar conflito…
Eu não teria vindo. Não vou entrar nessa. A minha obrigação na articulação é… Vou te dar um exemplo: fui à Bahia, autorizado pelo presidente. Falei com o [governador] Rui Costa [PT], tivemos uma audiência institucional. Não joguei contra, a gestão dele está sendo boa lá. Logo em seguida, falei com o Antonio Carlos Magalhães Neto, [prefeito de Salvador e presidente do DEM], da mesma forma. Acho que o meu papel é esse. Na hora em que eu começar a tomar partido, vou conseguir uma parcela do Congresso e a outra não. A minha função, e é difícil às vezes, mas não vou arredar pé, é de construir soluções. Tem pessoas que às vezes dificultam, seja do lado do governo, seja do outro lado? Tem. É natural, pô! São personalidades diferentes. A primeira coisa que fiz [quando cheguei] foi um diagnóstico. O Ministério da Economia, por exemplo, era Planejamento, Indústria e Comércio e juntou tudo. Imagina a estrutura abaixo o que aconteceu? Deu um tumulto, enxugou tudo.

Criou-se uma nova lógica.
Quando o presidente decidiu tirar o [ministro] Onyx [Lorenzoni] da articulação foi até para ajudá-lo. Porque o Onyx, coitado, estava com a Casa Civil, que é transversal a todos os ministérios e ainda sendo cobrado por cargos e emendas. Não estava dando certo. Hoje estou de terno, mas minha cabeça é militar. Quando tenho um problema a ser solucionado, tenho que diagnosticar, levantar o máximo de informações, tomar uma decisão e passar a executá-la. O que quero dizer com isso? Planejamento estratégico. É o que estamos fazendo. Militar tem essa facilidade, é quadrado, organiza as coisas, mas quando você organiza, também mexe na zona de conforto de algum deputado que tinha mais que um cargo, por exemplo. Aí o pessoal reclama. Nós estamos arrumando a bagunça, porque a melhor coisa para quem quer se dar bem é descontrole. A mensagem é: existem critérios [para a distribuição de cargos], existe um processo para que isso ocorra e um controle efetivo da articulação política em relação aos cargos e também às emendas. Aqui é o ministério das planilhas, planilhas de controle de cargos, controle de emendas.

O senhor falou que tem aconselhado o presidente a dar mais atenção aos parlamentares…
Aconselhado não é o termo. O presidente foi deputado por 28 anos. Ele conhece tudo da Câmara e tem feito a parte dele.

Parte das reclamações se dá pelo fato de o presidente enviar muitas pautas para o Congresso por meio de decretos e medidas provisórias.
Conversei com vários deputados que foram prefeitos. O primeiro ano de governo é um ano de acomodação em muita coisa. Por mais que a gente fale, as pessoas não entendem. Tem uma expressão mineira que eu usava muito: é no andar da carruagem que as melancias vão se acertar. Querendo ou não, temos pouco mais de 11 meses de governo. Foi um ano extraordinário. Pô, nós aprovamos a reforma da Previdência, aprovamos a medida provisória da reestruturação dos ministérios, mesmo com muita gente contra. Então, o primeiro ano do governo tem sido um ano muito profícuo.

Apesar, por exemplo, da desidratação do pacote anticrime?
Foi o que falei para o Sergio Moro. Quando a gente manda um projeto para o Congresso, tem que entender o seguinte: democracia é isso. Eu até brinco muito que na Coreia do Norte é fácil. O cara manda um projeto e perguntam: “quem é a favor?”. Todo mundo levanta, até porque quem é o maluco que vai ser contra? Ninguém. No Brasil, é democracia. Você querer que um projeto vá para o Congresso e ninguém mexa nele, esquece.

Como o senhor avalia os dados do Datafolha?
É questão de visão da própria pesquisa. Vejo como positivo. A notícia foi: ele parou de cair, não foi isso? Ou podemos dizer também que ele está crescendo? Esse copo está meio cheio ou meio vazio? Acho que é um sinal positivo. Fui com ele na Feira do Paraguai, semana passada, comer pastel. Tudo bem que em Brasília 80% são Bolsonaro, mas onde ele vai é assustador.

E como o senhor vê o fato de o ministro Sergio Moro continuar sendo o mais bem avaliado?
É um cara muito bem respeitado, é um ícone do Brasil. É inegável, ele catalisa. Agora, ele é extremamente leal ao presidente. Ele diz que não é candidato, e eu acredito. A não ser que ele mude, não vai ser candidato.

Como o senhor avalia os recentes acenos ao AI-5?
Isso aí foi mal usado. Eu era garoto, tenho 63 [anos]. Na revolução, tinha 8 anos. Nem o Paulo Guedes quis dizer aquilo. Primeiro tem que entender o que é o AI-5. O AI-5 cassou todos os direitos individuais das pessoas, foi um ato de violência política. O próprio presidente falou: é um pesadelo para quem fala isso. Eu, que sou uma pessoa formada por valores democráticos, nem imagino isso aí. Para mim, quando alguém fala AI-5, entendo wi-fi (risos). Sinceramente, acho que não constrói.

Fonte: Folha, por Thais Arbex